Blog “Dependência e Co-dependência Química”, de
autoria de Superdotado Álaze Gabriel. Disponível em http://dependenciaecodependenciaquimica.blogspot.com.br/
Autoria:
Maria Angélica
de Souza e Silva Ferreira. Ana Luisa Gonzaga Tanajura. Trabalho apresentado
como parte dos requisitos para conclusão do curso de Especialização em Terapia
Sistêmica de Casal e Família. Orientadora: Maria Angélica Vitoriano da Silva.
Maio 2012.
“Ninguém pode
nos ferir, sem o nosso consentimento.”
Eleanor Roosevelt
“A doença da
perda da alma ou da nossa própria identidade.”
Roberto Ziemer
“Com o tempo,
você vai percebendo que para ser feliz com outra pessoa você precisa em
primeiro lugar, não precisar dela . . . Você aprende a gostar de você, a cuidar
de você, principalmente a gostar de quem gosta de você. O segredo é não correr
atrás das borboletas, é cuidar do jardim para que elas venham até você. No
final das contas, você vai achar, não quem você estava procurando, mas quem
estava procurando por você.”
Mário Quintana
RESUMO
Este estudo é baseado no acompanhamento
de uma família composta por dependentes e co-dependentes, no qual escolhemos
dar ênfase na co-dependência da mulher.
Aqui, exploramos e discutimos conceitos sobre drogas, dependência e co-dependência,
dinâmica do casal, gênero feminino e os efeitos patogênicos que ocorrem nessas
relações, bem como a terapêutica revisada através das literaturas disponíveis, principalmente
de Bowen. Observamos que o movimento da co-dependência é associado a
características femininas e desta forma procuramos ampliar esses conceitos na
prática, em sessões terapêuticas realizadas quinzenalmente, durante um ano no
CEFAC – Centro de Estudos da Família e do Casal, e na utilização de alguns
instrumentos terapêuticos, como por exemplo: genograma, narrativas,
questionamentos circulares e equipe reflexiva.
Concluímos que apesar de constatar a veracidade desta temática, ou seja,
uma relação existente entre co-dependência e gênero feminino, ainda fruto de
muitas críticas, como terapeutas sistêmicas acreditamos em mudanças
comportamentais advindas da realização de um processo terapêutico, que
podem levar a mulher ao encontro da sua identidade ou individualidade e
assim obter uma melhora na sua qualidade existencial.
1. INTRODUÇÃO
Segundo a teoria sistêmica, todas as
pessoas que compõem a unidade familiar, tem um papel na maneira como funciona a
família, como se relacionam os membros entre si e na forma como finalmente o
sintoma irrompe. (Bowen 1974)
Nesse artigo apresentamos e discutimos
um caso clínico de dependência e co-dependência, que atendemos sob Supervisão
em nosso curso de formação em Terapia Sistêmica, dando no presente estudo, maior
ênfase à co-dependência. Desta forma, pretendemos compreender os efeitos
patogênicos do dependente no contexto
familiar e avaliar o sofrimento psíquico de todos o s seus membros
estabelecendo planos de intervenções terapêuticas para libertar o dependente,
dissolver as co-dependências e devolver o equilíbrio à família, fazendo do meio
familiar um elemento de proteção e não facilitação de comportamentos de risco.
Vamos também conceituar o dependente e o
co-dependente, porque no Brasil ainda são incipientes os estudos sobre as
relações complementares de mulheres com pacientes dependentes de drogas, sejam
elas lícitas ou ilícitas. A co-dependência
não é ainda reconhecida como doença e sim admitida como uma construção social,
um transtorno de personalidade.
Diante do que pesquisamos em diversas
literaturas e do que acompanhamos em nosso caso clínico, surgiu um grande
questionamento: a co-dependência ocorre em homens e mulheres, sendo mais comum
nas mulheres? Dessa forma, gostaríamos de investigar se o gênero feminino tem
realmente uma probabilidade, tendência ou possibilidade maior de se tornar um
co-dependente, ou seja, se existe uma relação entre co-dependência e o gênero
feminino.
Na concepção machista a mulher é um ser
PARA o outro (marido, filhos, pais) e não um ser COM os outros. A razão é
cultural e histórica; a mulher se sacrifica, é submissa e mais dependente do
que os homens nas relações, estando mais sujeita a co-dependência. Seja por
regionalismo ou religiosidade, entendemos que há uma maior subserviência e uma
enorme dificuldade do gênero feminino em se posicionar de forma diferente à co-dependência. Assim sendo, a co-dependência feminina pode
estar relacionada às questões culturais a qual o gênero feminino está exposto.
A sociedade patriarcal e falocrática determinam
a co-dependência como uma tendência feminina marcante que atinge principalmente
as mulheres de estilo romântico. As mulheres também sofrem violências públicas
e explícitas de discriminação, o que compromete sua autoestima. A maioria dos
psicólogos entende que os papéis tradicionais de gênero: homem provedor e
mulher cuidadora são ainda valorizados.
Segundo o Dr. Cesar Vasconcellos de
Souza os homens tendem a viver a co-dependência ficando obsessivos pelo
trabalho, por um esporte ou hobby e já
as mulheres tendem a ficar obcecadas ou obsessivas por um
relacionamento. Outras abordagens questionam o termo co-dependência para as
mulheres como um rótulo preconceituoso. A literatura científica atual ressalta
que o termo co-dependência teve seu uso vulgarizado.
2. APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO
Nosso estudo é baseado no caso clínico
de uma família, cujo pai de 58 anos, bioquímico e farmacêutico, aposentado, é
dependente químico (álcool e drogas), mãe de 56 anos, administradora de
empresas, confecciona artesanato, co-dependente e usuária de medicamento
antidepressivo controlado e um casal de filhos, com 32 e 29 anos, ambos
estudantes universitários. Para tais observações realizamos atendimentos
quinzenais com nossos clientes durante um ano desde o mês de março de 2011 no
Os nomes utilizados para identificação
dos membros da família são fictícios. CEFAC – Centro de Estudos da Família e do
Casal, inicialmente sob a observação de uma equipe reflexiva e supervisão, por
detrás do espelho. O motivo inicial da consulta era ajudar o casal a atravessar
crise em seu casamento de 38 anos. Miguel é alcoólatra e dependente químico,
faz uso de medicamento controlado e freqüenta AA (Alcoólicos Anônimos); Jussara
apresenta quadro de depressão, é acompanhada no CAP’s e também usa medicamento
controlado. Ambos querem e lutam por um bom relacionamento, apesar de viverem
em casas separadas. Falam da relação com amor, são rígidos e conscientes de suas
limitações e é visível e significativo o desejo de cuidar de si
individualmente.
Apresentam mitos e regras bem claras.
Para ele o homem é o responsável financeiro da mulher e para ela o homem tem
prioridade, até ao falar. Ele acredita que: “depois de velho” é melhor manter o
casamento, pois “ninguém é feliz no segundo casamento”. Ela acredita que a
mulher “tem que viver em função do homem” e que é responsável pelo bem estar do
marido e sua felicidade também depende do bem estar dele. Falam com
resentimento do episódio que gerou separação corporal, quando Miguel sob o efeito
de drogas a ameaçou de morte e suicídio, o que culminou em sua prisão.
Nossas primeiras hipóteses eram que
ambos se apresentam sem força. Ela necessita de mais independência e autonomia,
além de melhorar a autoestima. Ele deseja se fortalecer para encontrar o prazer
fora das drogas, entende o sofrimento dela e a rejeição de sua família. Mas o
casal apesar de “juntos com tantos problemas”, está sem recursos para saírem da
crise.
Nas sessões seguintes Miguel se mostra
no centro de todos os problemas, oscilante, com dificuldade em se comunicar,
repete comportamento considerado inadequado, agitado e agressivo, volta a
beber. Jussara com medo, raiva, sentindo-se culpada e impotente, ainda tenta
ajudar Miguel intervindo em “suas confusões”. Ela não consegue deixar de querer
ajudá-lo, e sofre demasiadamente por não conseguir mudá-lo, não entende que não
é possível controlar o incontrolável, e que tentar modificar outra pessoa é
frustrante e deprimente, porque estará assumindo uma responsabilidade que não é
sua. Eles não conseguem aceitar suas diferenças, não se metacomunicam e não
percebem que Jussara também precisa de muita ajuda para sair da co-dependência.
Na quinta sessão, Miguel abandona a terapia. Com o afastamento de Miguel das
sessões, Jussara começa a prestar mais atenção em si mesma. Somente neste
momento entendemos que este casal não está mais “casado”, pois além de morarem
em casas separadas, Miguel mantém relacionamentos com outras mulheres tanto
fisicamente, quanto virtualmente, Jussara representa um porto seguro para ele.
Quando Miguel viaja para encontrar-se com uma mulher que se correspondia em
rede de relacionamento, Jussara se sente mais livre para experimentar fazer
suas “coisas sozinha”, como sempre se sentia, apesar de ainda titubear diante
dos apelos manipuladores de Miguel. Ela ainda cria expectativas muito altas
diante dele, ainda é difícil dar limites, se valorizar e acreditar que é capaz
de andar com suas próprias pernas. Sente necessidade em ajudar a família que,
segundo ela mesma, “também está doente”, por isso, traz os filhos para o
processo.
Quando realizamos o atendimento com a
família, Jussara, Vitor e Vivian, foi observado que Vitor mostrou-se mais
seguro e diferenciado, cuidando para que sua família nuclear não se misturasse
com os problemas de sua família de origem, metacomunica e destriangula.
Expressou-se de forma objetiva e clara, diferentemente de como Jussara o
havia descrito, e Vivian, ao contrário
de Vitor, apresentou-se insegura, com dificuldade de relacionamento, inclusive
na formação de sua família nuclear, repetindo o mesmo emaranhamento relatado a
nós por Jussara. Encontra -se grávida e relaciona-se com um homem, também
considerado difícil de lidar.
Com o falecimento da mãe, Jussara muda
de moradia e assume o “negócio próprio” dela (mãe). Volta ao bairro de origem e
começa a conviver novamente com familiares e amigos de infância. Tem total
consciência do risco quecorre em vender bebida alcoólica para os vizinhos, mas
banca assumir isso na tentativa de se tornar responsável por si e suas
atitudes. Ainda se angustia com os erros que comete, quando cede aos
“caprichos” de Miguel, mas vem cada vez mais se fortalecendo na perspectiva de
“voltar a ter alegria de viver”.
Tornou-se avó e vem ajudando nos
cuidados pueris da neta, observando na filha repetição de comportamento “deles”
(pais, Miguel e Jussara) e no filho, mudança da imagem por ela construída
(resignificação). Mais conectada consigo
mesma e na realidade, vem buscando se distanciar da responsabilidade sobre as
atitudes de Miguel, abrindo mão de controlar-lhe, percebendo e aceitando que
ele próprio resolva suas questões.
Depois da evidência de um caso de
dependência e co-dependência, traçamos uma conduta terapêutica voltada para a
individuação (Diferenciação do Self) e metacomunicação. Utilizamos
questionamentos circulares, equipe reflexiva e após a saída de Miguel, chamamos
os filhos para continuar o processo estendendo a terapêutica para todos os
membros da família. Estes compareceram apenas a duas sessões. Na décima sessão
começamos a montar o genograma da família, para clarear a dinâmica do casal e
desta forma reforçar a terapêutica de diferenciação do self e tentar fazer
Jussara entender o papel que exerce e que contribui para a repetição de
atitudes de Miguel nessa relação.
Achamos importante deixá-la consciente e
atenta ao seu comportamento para que se fortaleça cada vez mais e tenha uma
melhor qualidade de vida e em seus relacionamentos, evitando sentimentos de
culpa pelo que não pode ser feito, ajudando -a a aceitar e valorizar o que tem
e consegue realizar, se implicando em
suas atitudes.
Além de usarmos os seis conceitos
principais que juntos formam a teoria de Bowen, buscamos outras técnicas para
possibilitar a mudança de comportamento no sistema familiar de Jussara, como
por exemplo: o genograma, que é uma representação gráfica que mostra o desenho
ou mapa de uma família, com a função de organizar dados, processos de
relacionamentos e os triângulos. O
genograma nos ajudou a averiguar a composição e dinâmica familiar, elucidando padrões, regras,
valores, crenças e mitos.
Através dele, pudemos identificar mais
claramente os triângulos chaves nas cadeias auto-repetitivas. Ainda dentro da
visão de Bowen (1979), utilizamos técnicas da formulação de perguntas
circulares, auxiliado pelo genograma. Os terapeutas Bowenianos acreditam que
entender como os sistemas familiares operam é bem mais importante que esta ou
aquela técnica. Mas há necessidade de formulação de perguntas (treinamento)
para ajudar na identificação dos processos emocionais, dando enfoque mais amplo
no self e ligações mais funcionais, aqui o terapeuta precisa aprender a não
tomar partido e ficar sem juízo de valores. Experiências de relacionamentos
ajudam os membros da família a reconhecerem seu próprio papel dentro da
triangulação (o triângulo é a unidade universal de análise), mas é preciso
evitar que a família inclua o terapeuta no processo triangular. Utilizar a posição “EU”, representação
gráfica que mostra o desenho ou mapa de uma família, com a função de organizar
dados, processos de relacionamentos e os triângulos (Bowen,1974) dizer o que
sente em vez de falar do que o outro está fazendo, deslocar o enfoque tornando-o menos pessoal e menos ameaçador.
Com o auxílio do genograma e deformulação de perguntas circulares buscamos
alcançar destriangulação.
Os transtornos de comportamentos brandos
ou severos resultam da fusão emocional transmitida de uma geração para a
próxima. A fusão emocional é a recíproca da diferenciação e diferenciação é
quase sinônimo de maturidade. No sistema de Bowen (1979)
a marca registrada da pessoa bem ajustada é a objetividade racional e
individualidade. É possível adquirir níveis mais elevados de diferenciação
através de processos de tratamentos de família.
Dessa forma, buscamos na terapia
bloquear os triângulos, acalmar as escalações, falar diferentemente e
objetivamente de assuntos difíceis, desintoxicar problemas perigosos, expor e
anular efeitos e segredos enterrados, também usados pelos terapeutas Bowenianos.
A importância não só para nós,
terapeutas desta família em atendi mento, mas para a sociedade e comunidade
científica é esclarecer e desmistificar a veracidade da problemática
em questão e assim poder oferecer
conforto e possibilidades de escolhas a ambos os envolvidos, dependente e co-dependente
a seguirem suas vidas com melhor qualidade.
3. REVISÃO DA LITERATURA
3.1
Drogas
Substâncias cujo uso continuado e/ ou
abusivo provoca danos à saúde e levam a
dependência química. Segundo site Ballone GJ -
Dependência Química - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2010, a dependência química é um conjunto de
fenômenos que envolvem o comportamento, a
cognição e a fisiologia corporal,
consequente ao consumo repetido de uma substância psicoativa, associado ao
forte desejo de usar esta substância, juntamente com a dificuldade em controlar
sua utilização persistente apesar de suas consequências danosas. Na dependência
geralmente há prioridade ao uso da droga em detrimento de outras atividades e
obrigações sócio-ocupacionais.
O dependente dedica muito tempo obtendo
a substância desejada, usando-a ou recuperando-se dos seus efeitos. A
tolerância é o primeiro critério relacionado à dependência e a necessidade de
crescentes quantidades de substâncias é outro critério e a “fissura” é o forte
impulso subjetivo ou compulsão incontrolável para usar a droga.
O dependente pode até expressar um
desejo persistente de reduzir ouregular o uso, mas reluta sempre em decidir
deixar de vez. Informações e dados fornecidos pela Wikipédia, enciclopédia livre, alguns dos
efeitos da droga são: o relaxamento, alegria, euforia, sensação de poder e percepções maiores. O funcionamento biológico da dependência
dá-se no sistema de recompensa do cérebro e algumas drogas, pela ativação
farmacológica, aceleram esse sistema consideravelmente e a pessoa obtém o
prazer desejado. Através das drogas que lidam com o humor, sensações e afetam o
sistema nervoso central é que a pessoa adquire o vício. O LSD, por exemplo, não
causa dependência, porque apenas produz alucinações, não trazendo prazer algum.
É preciso ressaltar que nem todos os usuários de drogas tornam-se dependentes e
compreender que elas, as drogas, simplesmente, por serem capazes de ativar o
sistema de dependência, não torna o usuário dependente dela, pois nesta visão o
açúcar seria problemático e beber socialmente também. Só a inviabilidade de
controlar a frequência e a necessidade extrema de satisfação é que constituem a
dependência.
Para a maioria das pessoas o consumo de
álcool gera pouco ou nenhum risco de se tornar um vício. Ou seja, vários e outros fatores contribuem,
como o ambiente social, a saúde emocional e psíquica e a predisposição
genética. O alcoolismo pode levar à morte e é considerada uma doença, cujo
transtorno psicológico demanda tratamento multiprofissional. Um levantamento sobre o uso de drogas
psicotrópicas, realizadas em 2001 pela Universidade Federal de São Paulo (1º
levantamento Domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas), mostrou a
associação entre o alcóolatra
e os fumantes, pois 67% deles
iniciam o consumo tabágico cedo, são na
maioria homens e na faixa etária de 30 a 49 anos.
Os alcoólatras geralmente usam mais de uma
droga concomitantemente com riscos de overdose e tem tendência maior a
depressão e a cometer suicídio. Os tratamentos para o alcoolismo são bastante
variados iniciando com a desintoxicação, terapia em grupo e psicoterapia,
medicamentos, atendimento s em grupos de autoajuda, AA, etc.
No tratamento da dependência química é
preciso ressaltar que a psicológica é de difícil tratamento e não pode ser
resolvida relativamente rápida e simples como a física.
3.2
Dependência
Estudos apontam que, faz parte da
natureza do homem, uma vez que toda a existência humana está
compreendida entre estados de dependência. Durante a vida o ser humano cria
relações de dependência com objetos, pessoas e situações. Algumas dessas
relações são importantes para o bem estar, outras causam prejuízos, como a
perda de autonomia.
Considera-se que, quando a pessoa tem
comportamento compulsivo que a leva a consumir substâncias psicotrópicas, como
álcool e drogas, para obter prazer ou aliviar tensões, ansiedades, medos e
sensações físicas desagradáveis, este é um dependente químico. As atividades sociais, ocupacionais ou
recreativas podem ser seriamente prejudicadas, abandonadas ou reduzidas e o
dependente pode afastar-se das atividades familiares a fim de usar a droga em
segredo.
Nem todas as pessoas que experimentam drogas
se tornam dependentes, pois existem fatores fortemente associados ao uso
abusivo de drogas: fatores genéticos, psicológicos, familiares e sociais e
esses fatores não costumam agir isoladamente, mas sim em conjunto.
Família
O meio familiar pode ser um importante
elemento de proteção ou facilitação dos comportamentos de risco. A disfunção
familiar e a existência de transtorno emocional prévio formam os fatores mais
correlacionados ao maior risco para a dependência química.
Modelo
cultural
A cultura através da mídia fortemente
penetrante no pensamento do ser humano contemporâneo influi sobremaneira na
elaboração de escala de valores.
A
pessoa
As pesquisas sobre a personalidade pré-mórbida
do dependente sobre seu histórico
emocional, seus antecedentes psicopatológicos, sobre a sua natureza genética
influi, as pesquisas devem valorizar o dependente com o mesmo entusiasmo que
valoriza o meio.
O existencialismo de Sartre diz que “de
fato a pessoa não deve ser responsabilizada pelo que o distúrbio faz com ela,
mas é totalmente responsável pelo que ela vai fazer com aquilo que o destino
fez com ela”.Existem dois tipos de dependência: física e psicológica. A física
se caracteriza pela presença de sintomas e sinais físicos que aparecem quando a
pessoa para de consumir a droga e diminui bruscamente o seu uso – síndrome de
abstinência.
Já a dependência psicológica corresponde
a um estado de mal estar e desconforto que surge quando o dependente interrompe
o uso da droga, como ansiedade, sensação de vazio, dificuldade de concentração,
depressão, sintomas que variam de pessoa para pessoa.
Enfim, a dependência química é
considerada pela Organização Mundial de Saúde como doença, já que toda doença é
uma alteração da estrutura e funcionalismo normal da pessoa que lhe seja
prejudicial. É uma doença de múltiplas causas, com múltiplas repercussões, uma
doença progressiva que tende a
piorar com o tempo, doença
crônica incurável, pois esteja ou não usando droga , a pessoa sempre foi e será
um dependente. Também é uma doença familiar, pois o convívio com o dependente
faz com que os familiares adoeçam emocionalmente e precisem se tratar também.
Qualquer avanço em termos de recuperação depende de quanto mais tempo o
dependente e o familiar levarem para admitir a real necessidade de ajuda. Quem
adoece através do dependente químico torna-se um co-dependente.
3.3
Co-dependência
As origens do conceito de co-dependência
podem ser encontradas da década de 1930 em algumas instituições de saúde mental
dos Estados Unidos, quando assistentes sociais começaram a entrevistar esposas
de dependentes de álcool.
O termo começou a se estruturar
(concomitantemente aos Alcóolicos Anônimos
- AA) em 1940 com o estudo sobre
família e dependência, mais particularmente sobre as mulheres de dependentes de
álcool.
Em 1950 no AA as esposas de dependentes
começaram a discutir suas vivências e começaram a desenvolver estratégias de
convivência com o estresse criado no ambiente familiar com a presença da droga.
No entanto, em 1970, com a ampliação do
conceito de dependência e o desenvolvimento de abordagens sistêmicas, as
definições de co-dependência também se estenderam, além da relação com a
dinâmica das relações pessoais com dependentes de drogas, também passou a
relacionar-se com a dinâmica das relações interpessoais disfuncionais que
comprometem os processos de autonomia e diferenciação familiar.
Passou a ser objeto de estudo tanto das
abordagens médicas quanto psicológicas, psicosociológicas e sistêmicas. Em 2000
as relações que as mulheres estabelecem com dependentes são então compreendidas
como complementares. Então podemos entender que co-dependência é um transtorno
emocional definido e conceituado por volta das décadas de 70 e 80, relacionado aos
familiares dos dependentes químicos e atualmente estendido aos casos de
alcoolismo, de jogos patológicos e outros problemas sérios de
personalidade. No livro Criando sua
Liberdade – Amor sem dependência, seu autor, Carlos Barcelos (1993) define como
sendo: uma necessidade imperiosa em controlar coisas, pessoas, circunstâncias e
comportamento na expectativa de controlar suas próprias emoções. Essa é uma definição básica de
co-dependência.
Através do acompanhamento do caso
clínico apresentado e dos estudos em torno da temática, pudemos constatar mais
algumas nuances e nos deparamos com outros questionamentos a respeito deste
assunto. A família que atendemos é
composta por quatro membros: pai (alcoólatra e usuário de psicotrópicos, facilitado
por sua profissão: farmacêutico e bioquímico) e mãe (deprimida) – ambos em uso controlado
de medicamento antidepressivo e desempregados - e um casal de filhos com idade
entre 32 e 29 anos.
No começo, sem muitas respostas,
entendemos que a co-dependência ocorre em situações como alcoolismo, uso
compulsivo de drogas, outras compulsões, como no sexo, no trabalho, por comida ou
compras e até doença física ou mental na família ou outros conflitos interpessoal.
Existe uma situação problema em que uma pessoa problema cria os “problemas” para
o cônjuge, parceiro, amigo ou família disfuncional.
O co-dependente tem a necessidade
imperiosa de controlar o outro, na expectativa de controlar suas próprias
emoções. Só que a sua capacidade de controle é limitada para controlar o
incontrolável. Alguém privado de sua liberdade desenvolve um amor neurótico,
recheado de ressentimentos e forte sentimento de injustiça. A relação de
co-dependência é criada pelo medo e baixa auto-estima, onde o ser humano se
ilude por não tolerar a verdade. Além disso, neste relacionamento co-dependente
há uma aliança: ambos ou todos sofrem, mas, obtém diversas vantagens.
Libertar-se da co-dependência é aceitar
a verdade para adquirir o direito de ser quem você é de forma simples e direta,
mas, foi neste momento que começamos a perceber o quão difícil e árdua é esta
tarefa, pois estamos falando de pessoas e famílias que desenvolveram
características de baixa autoestima, desvalorização de suas próprias opiniões e
qualidades, dificuldade de identificar sentimentos, forte compulsão em ajudar
pessoas associado a uma grande necessidade de mudá-las e controlá-las e uma
extraordinária pré- disposição ao sofrimento.
A necessidade de controle é central em
todos os aspectos da vida do co-dependente, pois tendo deixado que sua vida
fosse afetada pelo comportamento de outra pessoa, torna-se obcecado por controlar tal comportamento acreditando
que se sentirá melhor se conseguir modificá-lo. Acredita nas mentiras da pessoa
problema e pensa estar louco, porque perdendo o contato com a realidade, não
sabe mais o que é verdade ou mentira. Esquece-se de si mesmo, cria expectativas
muito altas, sente-se culpado, confuso, tentando controlar circunstâncias
incontroláveis.
O co-dependente sofre mais do que a
pessoa problema, porque não se beneficia com o efeito anestésico e prazeroso e
o que o comportamento compulsivo provoca (bebidas, jogos, drogas, etc.), ou
seja, continua sua vida suspirando por aceitação e um gole de amor (defeito
emocional).
Estávamos diante de um clássico caso de
co-dependência. Tudo isso acontecia com nossos clientes, que inicialmente nos
procuraram para trabalhar a relação do casal, comprometi da por anos de
sofrimento e muitas histórias de abuso. Após algum tempo em acompanhamento no
AA (Alcóolicos Anônimos), o dependente volta ao vício e abandona nossas
sessões. Passamos a atender apenas a mãe que nos trouxe os filhos para, como
ela mesma disse: cuidar da família que está toda doente.
Esse sofrimento deveria fazer o
co-dependente compreender que tentar modificar outra pessoa é frustrante e
deprimente, porque estará assumindo uma responsabilidade que não é sua. Quando
o co-dependente compreende essa verdade e se dispõe a mudar suas atitudes
interiores, começa a experimentar o descanso resultante de aceitar a realidade
tal qual é.
Não é coisa simples o co-dependente
modificar seu comportamento, abandonando os papéis de sua escolha, pois já
vimos que ele retira grandes benefícios, quer emocionais quer materiais da
representação (Carlos Barcelos, 1993). O herói
encontra aplauso, o bode
expiatório o alívio de suas culpas imaginárias,
o mascote vê todos rirem o que
alivia o coração, a criança perdida encontra refúgio em suas fantasias. Porque
arriscar uma mudança assumindo a realidade, o seu verdadeiro papel consigo
mesmo?
Amar-se significa aceitar limites, tanto
os nossos, como os dos outros e aprender a viver bem dentro das circunstâncias
que nós não podemos mudar. Decisões difíceis geram sofrimento, mas porque não
sofrer pelas razões certas? Entendemos,
então, que o problema do co-dependente é muito mais dele mesmo do que da pessoa
problemática e normalmente, a nobre função do co-dependente depende da
capacidade de ajudar ou salvar a outra pessoa, que sempre é transformada em
vítima e não responsável pelos próprios problemas. O que o co-dependente deve fazer para uma
saúde emocional? A forma como uma criança percorre sua matriz de identidade é
um parâmetro de como ela será na vida adulta.
Com a matriz de identidade completa, o
sujeito tende a declinar da co-dependência. Com o tempo nos distanciamos tanto
da nossa verdadeira identidade que acreditamos em sua inexistência e
simultaneamente nos identificamos completamente com o eu falso ou co-dependente.
Essa separação não nos leva a crer que alguém for a de nós pode nos trazer
felicidade.
3.4
Diferenciação do self
Murray Bowen, psiquiatra de orientação
psicanalítica, é o principal representante de um grupo de terapeutas que
desenvolveram, por assim dizer, uma nova abordagem terapêutica em terapia
familiar, cujo objetivo central é “desemaranhar o indivíduo da teia familiar”
(Bowen, 1979). Para este, é necessário se chegar a fatores históricos ou
causais e assim aliviar um sintoma ou alcançar mudanças. Ele acreditava que
“onde quer que vamos, carregamos a reatividade emocional não resolvida com
nossos pais, sob a forma de uma vulnerabilidade para repetir os mesmos antigos
padrões em todo relacionamento novo e intenso em que entramos”, ou seja, Bowen
(1979) descobriu que a família permanece dentro de nós e para onde vamos
carregamos problemas emocionais oriundos da transmissão multigeracional. Ele
acredita que o surgimento da doença emocional de um membro da família tem sua
origem nas dificuldades que membros de gerações anteriores tiveram em separar-se
do seu núcleo familiar. O processo se desdobra de geração a geração, como uma
espécie de compulsão à repetição e sendo assim, ele propôs “identificar padrões
originários no passado, os quais tiveram influência nas pessoas no presente e
ajudá-las a se destrancarem, oferecendo um caminho para a conquista da
individuação e autonomia”. Vários desses conceitos e terapêuticas, pudemos
aplicar em nossa família.
Como os relacionamentos não são
estáticos, Bowen (1979) observou padrões de relacionamentos
repetitivos (simbiose), alteração de ciclos de proximidade e distanciamento
(triangulação) e outros, e a partir de suas observações, se concentrou em
conceitos de apego ansioso e funcional. O indivíduo que desenvolveu ao que ele
chamou de apego ansioso, uma forma
patológica de ligação, difere daquele que desenvolveu o apego funcional,
aspecto fundamental da diferenciação. Da mesma forma, para ele existem duas
forças, uma que impulsiona para a união familiar e outra para a libertação rumo
à individuação. Essas forças precisam estar em equilíbrio para que uma pessoa
possa lidar de uma forma mais livre com sua própria vida e se diferenciar.
Sabe-se, também, que todo indivíduo
enquanto criança nasce fusionada
e com o seu desenvolvimento, seu principal objetivo é diferenciar-se para alcançar autonomia e
independência. Primeiro o importante é
pertencer, que significa participar, saber que é membro de uma família e assim
partilhar de suas crenças, valores, regras, mitos e segredos. Depois, vem em
busca do diferenciar-se, o que se refere à afirmação de sua singularidade, à
sua individuação e ao seu direito de pensar e expressar-se independentemente
dos valores defendidos por sua família.
A diferenciação completa existe em uma pessoa que tem a ligação com sua
família totalmente resolvida distinguindo o processo sentimental do
intelectual, ou seja, quando o indivíduo adquire a capacidade de identificar e
perseguir as suas próprias metas e, ao mesmo tempo, mantém o relacionamento
íntimo com os outros (capacidade para o funcionamento autônomo).
Existem seis conceitos que interligados
compõem a teoria de Bowen (1979), são elas: Diferenciação do self –
separar sentimento de pensamento. Isto lhe permite estar em contato
íntimo com os outros sem ser reflexivamente moldados por eles. Analisar seu
próprio papel no relacionamento para libertar-se. Desejávamos que Jussara
pudesse libertar-se da co-dependência para poder adquirir o direito de ser
quem é
de forma simples e direta, mas, percebemos o quanto seria difícil
alcançarmos esse objetivo, em virtude do comprometimento familiar com relação
ao seu processo de individuação.
Triângulos – A
triangulação é a configuração emocional
de três pessoas, na qual a pessoa "triangulada" cumpre uma função
periférica de regulação da tensão existente entre outras duas e, "na
ausência de conflito explícito, encontra-se em um estado de insegurança e mesmo
de sofrimento emocional. Em caso de conflito, o embaraço, ou o sofrimento,
desvia-se e é transferido para os membros da díade, enquanto o terceiro vê-se aliviado" (Miermont, 1994, p.
571). Então, entendemos que o processo
de triangulação faz parte do processo de relacionamento em famílias e grupos e
acontece com a finalidade de diminuir a ansiedade, mesmo sabendo que o que
acontece comumente é o aumento dos problemas, pois a depender do desequilíbrio
dinâmico aumenta ou diminui sua tensão. O perigo está quando esses desvios se
tornam grande demasiadamente e assim corrompem e destroem os relacionamentos
familiares, isto porque “triângulos são um produto de indiferenciação no
processo humano”. Por isso a destriangulação é extremamente necessária para o
alcance da diferenciação do self, que tem como meta principal “poder estar em
contato com o problema emocional que envolve duas pessoas e si próprio sem
tomar partido, contra-atacar ou defender-se tendo sempre uma resposta
neutra”. Em nosso caso clínico,
observamos que o filho mais velho conseguia destriangular e se metacomunicar
com mais facilidade que a mãe e a irmã, que se mantinham fusionadas,
paralisadas no relacionamento simbiótico e parasitário com o esposo e pai,
respectivamente.
Processo emocional da família nuclear: diz-se
que está intrinsecamente relacionado aos processos desenvolvidos no âmago da
família nuclear e do par conjugal, destinado a solucionar as dificuldades
advindas de ligações emocionais não resolvidas. A ausência de diferenciação na
família de origem leva a um rompimento emocional dos pais, o que por sua vez,
leva à fusão no casamento. Quanto menor diferenciação de self antes do casamento,
maior será a fusão entre os cônjuges.
O grau de intensidade desses problemas
relaciona-se ao grau de indiferenciação, extensão do rompimento emocional com
as famílias de origem e nível de estresse no sistema. (Papero, 1998; Nichols
& Schwarts, 1998)
Processo de projeção familiar: processo
pelo qual os pais transmitem para seus filhos sua imaturidade e ausência de diferenciação,
ou seja, transmite ao filho uma carga emocional de frustrações, ao invés de
estimulá-lo ao processo de diferenciação. Esta projeção ansiosa, confusa e
excessiva é diferente da preocupação carinhosa e pode prejudicar emocionalmente
o filho que aos poucos vai desenvolver sintomas de imaturidade psicológica.
Processo de transmissão multigeracional:
corresponde à passagem do processo emocional da família (tanto do marido quanto
da mulher) através de várias gerações, onde todos os membros da família são
agentes e reagentes. Eventos estressantes podem levar a família à disfunção por
várias gerações posteriores. Retrata uma situação de aumento das tensões
familiares eventos como: morte prematura, nascimento de uma criança deficiente,
enfermidade, acidente, entre outros .
Posição dos irmãos: revela que os filhos
desenvolvem algumas características de personalidade baseadas na posição dos irmãos
em sua família. Para Bowen a soma do conhecimento das características gerais e
específicas do sistema é essencial na provisão do papel que o filho exercerá no
processo emocional da família e na persistência de padrões familiares para a
próxima geração. Assim conflitos entre irmãos pode tornar-se um dos lados do
triângulo.
É possível, também, trabalhar em terapia
com famílias múltiplas, com casais, primeiro um e depois o outro para
aprenderem na observação do outro e com histórias de deslocamento, filmes,
vídeos sobre o funcionamento dos sistemas. O processo terapêutico é um ciclo em
que o indivíduo deferência o self, transforma o sistema familiar, que por sua
vez conduz a uma maior diferenciação do indivíduo. O modelo de Bowen retira o foco dos sintomas
e transfere para a dinâmica dos sistemas.
O tratamento desencoraja os terapeutas
de tentar fixar os relacionamentos e em
vez disso encoraja os clientes a começar
um esforço prolongado rumo a
autodescoberta. Bowen considerou que a sua contribuição mais importante foi
mostrar o caminho para tornar o comportamento uma ciência.
3.5
Dinâmica do casal
No decorrer do processo, após algumas
sessões, sentimos necessidade de
entender e avaliar melhor a
dinâmica e escolhas deste casal
e para tal, nos recorremos ao
genograma (vide ANEXO I). O casal se conheceu e casou quando ainda eram muito
jovens, ele com 20 anos, ela com 17. A família de origem de Miguel, pai farmacêutico e mãe que “gostava de beber”, era composta por 10 filhos usuários e dependentes de
droga (dois já falecidos,
decorrente, também, do uso de
drogas). Na família de origem de Jussara
encontramos um grande emaranhamento e muitos segredos velados. Sua mãe casara-se
com um homem, mas mantinha um relacionamento extraconjugal com o enfermeiro e
cuidador dele, o pai biológico de Jussara e sua irmã que viveram durante muitos
anos sem saber a verdadeira versão, assim como as pessoas da comunidade onde
moraram durante toda a infância e adolescência. Somente após a morte do primeiro marido,
oenfermeiro, cuidador e verdadeiro pai
das crianças, assume o
relacionamento com a mãe e acaba de criá-las. Este foi um grande problema de identidade
sofrido por Jussara durante muitos anos, pois, nem mesmo a própria mãe pode
dissolver todas as suas dúvidas a respeito desta problemática. Até hoje, o pai
que ela considera verdadeiramente não é o biológico e sim o que cuidou dela até
a sua tenra idade de três anos, quando faleceu. Dessa forma, com a ajuda do
genograma pudemos analisar melhor a escolha do casal e os níveis de
diferenciação. Nos dados do casamento, fomos buscar definição e modelos de
masculino e feminino, fragilidade e confiabilidade,para assim compreender
melhor a dinâmica deste casal e
seu o processo de individuação.
Como a estruturação do vínculo existente
nos indivíduos quando se inicia uma relação afetiva tem como base a vivência
dos primeiros relacionamentos ligados à sua infância, estes também vão ser
revividos de forma consciente ou inconsciente à medida que o tempo passa e se
desenrola esta trama. Primeiro, com o enamoramento ambos desejam tornar-se
apenas um só, aqui se dá ênfase a tudo que se é comum a ambos, depois com o
passar do tempo surge necessidade de expressar os próprios sentimentos e as
diferenças começam a aparecer, bem como os conflitos. Logo é preciso
estabelecer as diferenças para construção de uma estrutura mais estável e aí
entra forte a possibilidade do casal poder diferenciar-se de sua família de
origem.
Justamente para poder-se avaliar o nível
de independência emocional dos indivíduos perante sua família de origem, Bowen
(1979) desenvolveu um conceito de escala de diferenciação, chamando atenção que
a mesma serve de orientação, portanto, não devendo ser considerada como
definitiva. Esta escala possui uma classificação
contínua de níveis baixos de diferenciação para níveis altos e é conceituada em
cem quando existe uma diferenciação completa – o que significa ter uma ligação
com sua família totalmente resolvida – e por outro lado um valor zero fixado
arbitrariamente, quando não se alcança nenhuma independência emocional de sua
família. Muitas informações são necessárias para fixar as pessoas num nível
exato desta escala, mas é considerado muito importante quando o indivíduo
alcança uma boa capacidade de distinguir pensamento de sentimento e aprendem a
usar esta habilidade para direcionar suas vidas e resolverem seus próprios
problemas. Usando o parâmetro da
referida escala, em nosso caso clínico, tanto para um quanto para o outro
constatamos um grande comprometimento familiar e baixo nível de diferenciação.
O modelo masculino de nossa cliente era de um ser frágil e inconfiável, exatamente
como seu parceiro se apresentava.
Levando-se em consideração a próxima
fase, o objetivo do casal é alcançar a estabilidade, fase em que as diferenças
são respeitadas mutuamente. Em seguida, um relacionamento de nível mais maduro,
aumentando assim o comprometimento. Esse momento não pode ser identificado em
nosso caso, em função do fator complicador do dependente químico que apresenta
recidiva e faz um corte na relação, bem como a própria imaturidade de ambos,
casal, frente a aceitação de seus limites e diferenças.
3.6
Gênero feminino
Em biologia as fêmeas são definidas como
os indivíduos de uma espécie, tanto animal, como vegetal, que produzem a célula
reprodutiva feminina –
gameta feminino – chamado
óvulo, que quando fertilizado pelo gameta masculino –
chamado espermatozoide – dá origem a um novo indivíduo. A ela também
cabe caracteres sexuais secundários envolvidos da nutrição da cria pré e
pós-parto. Ao longo dos tempos, quando
surgem as sociedades, surge também a
divisão sexual dos trabalhos e pelo fato de gerar o filho e amamentá-lo, o aprendizado das atividades de cuidar foi sendo definido
como uma tarefa da fêmea. Isso se perpetua até os dias atuais, onde ainda
encontramos mais mulheres dispostas a trabalhar em ambientes e
profissões ligadas ao cuidado, como em hospitais e escolas, exercendo nada mais
nada menos que um papel de “cuidadora”.
Na visão de Lúcia Cortes da Costa do
ponto de vista psicológico, a função de reprodutora da espécie, que cabe à
mulher, favoreceu a sua subordinação ao homem. Desta forma, a
mulher foi sendo considerada mais frágil e incapaz para assumir a
direção e chefia do grupo familiar. O homem, associado à idéia de autoridade devido a sua força física
e poder de mando, assumiu também o poderdentro da sociedade. Mudanças muitos lentas vem acontecendo e hoje
já é mais comum mulheres no comando, ainda que com grandes diferenças de
salários e posições de cargos, ou seja, a construção de um novo cenário na
atual sociedade parece ser inevitável.
Porém, do ponto de vista sociológico, a
filósofa e mestra Ângela Rodrigues (2009), diz que os gêneros, masculino e
feminino, são criados na década de 70, para explicar que o sexo social não é
determinado pelo sexo biológico, ou seja, a “sociedade imputa uma diferença
cultural entre homem e mulher que resulta em uma cisão construída,
independente, portanto de determinações biológicas”.
Outra conceituação de gênero está
pautada na tese de que o conceito de gênero é apenas uma “divisão simbólica dos
sexos”, não tem base biológica nem cultural, “é uma lógica de pensamento,
emoções e representação da subjetividade íntima das pessoas.” (LAMAS apud
CASTILHO, 2008). Podemos entender então, que esses conceitos foram criados também
buscando compreender as relações estabelecidas entre homens e mulheres, os
papéis que cada um assume na sociedade e suas relações de poder.
Apesar de todos os esforços por parte de
várias mulheres feministas ou femininas para minimizar as diferenças entre homens
e mulheres na sociedade, buscando principalmente igualdade no mercado de
trabalho e liberdade de expressão e de sua sexualidade, percebemos que por
constituição, pelo fato da mulher vivenciar uma relação de dependência maior em
seus relacionamentos devido a fatores históricos, culturais e religiosos que
ainda são predominantes na sociedade atual e também por gerar dentro de si um
ser extremamente vinculado e dependente de seus cuidados, o gênero feminino carrega
consigo uma porção de probabilidade a se tornar co-dependente. Porém, não encontramos nenhum registro que
restrinja ou defina como exclusivo ao gênero feminino o processo da co-dependência.
.
4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Completados um ano de processo
terapêutico desta família, onde a partir da quinta sessão compareceu apenas um
membro, ou seja, a mulher, pudemos fazer uma análise das melhorias obtidas após
as intervenções terapêuticas comparando-as com o estilo de vida da família
antes da terapia.
O marido internou-se um uma clínica de
recuperação para usuário de drogas, por três meses e a esposa passou a cuidar
mais de si própria, melhorando sua autoestima. Estabeleceu planos para
sustentar-se financeiramente sem ajuda do marido e continua implicada em sua
terapia individual.
Os filhos melhoraram a comunicação entre
si, tornando-se também mais independentes e cuidando mais diretamente das suas
respectivas famílias nucleares. Concluímos que as sequelas decorrentes das
vivencias familiares perduram, duram por longos períodos. A metamensagem de uma
família disfuncional é de desconfiança, pois todos os membros acreditam que sua
família foi danificada ou destruída, o que restringe muito a vida desses
indivíduos.
Observamos também que as mulheres são as
mais atingidas e tem grande dificuldade de resgatar a autoestima e parecem
viver marcadas pelo medo das repetições e repetem. Os homens dependentes, co-dependentes
ou fragilizados por qualquer transtorno psicológico, seguem em frente e as
mulheres ficam meio que paralisadas através do outro, sejam eles: pais,
maridos, filhos, parentes, vizinhos.
Isso, de certa forma, nos foi confirmado em nosso caso clínico, quando vimos
claramente que a co-dependência foi gerada na mulher e na filha do casal,
ficando de lado o paciente identificado, o próprio dependente químico e o outro
filho, do sexo masculino.
Para nós, parece que é da natureza
feminina ainda a aceitação de poder estar em segundo plano, posicionando-se
como vítima do outro, da sociedade, da própria vida. Levando-se em consideração
as definições e análises sobre gênero feminino e por outro lado, pensando
sistemicamente, também cremos na possibilidade de através do processo
terapêutico, tomada de consciência e com ajuda do tempo, se o cliente assim o
desejar, quiser usar sua autonomia, reescrever a sua história e assim realizar
as transformações necessárias para alcançar melhoria na qualidade de estar no
mundo, mais livre e exercendo compaixão diante daqueles que durante um tempo em
suas vidas representaram suas amarras, ou seja, ”aprender a ser só, para
aprender a só ser”.
Portanto, o convite à
reflexão, tomando como fundo a
melodia de Gil (1973):
Preciso aprender
a só ser
Sabe, gente
É tanta coisa
pra gente saber
O que cantar,
como andar, onde ir
O que dizer, o
que calar, a quem querer
Sabe, gente
É tanta coisa
que fico sem jeito
Sou eu sozinho e
este nó no peito
Já desfeito em
lágrimas que eu luto para esconder
Sabe, gente
Eu sei que no
fundo o problema é só da gente
É do coração
dizer não quando a mente
Tenta nos levar
para casa do sofrer
E quando escutar
um samba-canção
Assim como
“Eu preciso
aprender a ser só”
Reagir
E ouvir
O coração
responder:
“Eu preciso
aprender a só ser”
5.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1.
Calegari, D. Amor, sexualidade e as etapas da vida. In: CONVENÇÃO BRASIL
LATINO AMÉRICA, CONGRESSO BRASILEIRO E ENCONTRO PARANAENSE DE PSICOTERAPIAS
COPORAIS. 1., 4., 9., Foz DO Iguaçu. Anais. Centro Reichiniano, 2004. CD-ROM.
ISBN – 85-87691-12-0].
2.
Hintz, Helena Centeno. Dinâmica da Interação do Casal. Pensando
Famílias, 1 (1), ago. 1999; (31-40).
3.
Barcelos, Carlos. Criando sua liberdade: amor sem dependência/ Carlos Barcelos
– São Paulo: Editora Gente, 1993.
4.
Riso, Walter, 1951 – Amar ou depender?: como superar a dependência
afetiva e fazer do amor uma experiência plena e saudável / Walter Riso;
tradução de Marlova Aseff – Porto Alegre, RS: L&PM, 2010. 176p. (Coleção
L&PM POCKET, v.824).
5.
Norwood, Robin. Mulheres que amam demais/ Robin Norwood; tradução de Cristiane
Maria Ribeiro – São Paulo: Best Seller, 1987.
6.
Coletânea de textos CEFAC, tradução do capítulo IV do livro “Family
Therpy in Clinical Practice” – M. Bowen, Editora Janson Aranson Inc. Nov. 2009.
7.
Fatores gerais que influenciam o nível de diferenciação, tradução de
Nina Vasconcelos e Vânia Castilho, do capítulo IV – “Diffrentiation of Self”,
do livro “Family Evaluation” – M. Bowen e M. E. Keer, editora W.W. Norton e
Company. P.89 a 111. New York, 1988.
8.
Triângulos, tradução de Nina Vasconcelos e Vânia Castilho, do capítulo
VI do livro “Family Evaluation” – M. E. Keer e M. Bowen.
9.
NICHOLS, M e SCHWRTZ, R. Terapia Familiar boweniana. In: Terapia
Familiar. Porto Alegre: Artmed, 1998. Cap.9, p. 309 a 338.
10.
Quando um homem ama uma mulher, 1994. Direção de Luis Mandoki, Roteiro –
Ronald Bass, Al Franken – EUA.
11.
http://www.psiqweb.med.br/ textos
- Ballone GJ – Dependência Química – in. PsiqWeb,
12.
Wikpédia, Internet.