segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

CO-DEPENDENCIA: UMA QUESTÃO DE GÊNERO?


Blog “Dependência e Co-dependência Química”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel. Disponível em http://dependenciaecodependenciaquimica.blogspot.com.br/

 
Autoria:
Maria Angélica de Souza e Silva Ferreira. Ana Luisa Gonzaga Tanajura. Trabalho apresentado como parte dos requisitos para conclusão do curso de Especialização em Terapia Sistêmica de Casal e Família. Orientadora: Maria Angélica Vitoriano da Silva. Maio 2012.

“Ninguém pode nos ferir, sem o nosso consentimento.”
Eleanor Roosevelt

“A doença da perda da alma ou da nossa própria identidade.”
Roberto Ziemer

“Com o tempo, você vai percebendo que para ser feliz com outra pessoa você precisa em primeiro lugar, não precisar dela . . . Você aprende a gostar de você, a cuidar de você, principalmente a gostar de quem gosta de você. O segredo é não correr atrás das borboletas, é cuidar do jardim para que elas venham até você. No final das contas, você vai achar, não quem você estava procurando, mas quem estava procurando por você.”
Mário Quintana

RESUMO

Este estudo é baseado no acompanhamento de uma família composta por dependentes e co-dependentes, no qual escolhemos dar ênfase na co-dependência da mulher.  Aqui, exploramos e discutimos conceitos sobre drogas, dependência e co-dependência, dinâmica do casal, gênero feminino e os efeitos patogênicos que ocorrem nessas relações, bem como a terapêutica revisada através das literaturas disponíveis, principalmente de Bowen. Observamos que o movimento da co-dependência é associado a características femininas e desta forma procuramos ampliar esses conceitos na prática, em sessões terapêuticas realizadas quinzenalmente, durante um ano no CEFAC – Centro de Estudos da Família e do Casal, e na utilização de alguns instrumentos terapêuticos, como por exemplo: genograma, narrativas, questionamentos circulares e equipe reflexiva.  Concluímos que apesar de constatar a veracidade desta temática, ou seja, uma relação existente entre co-dependência e gênero feminino, ainda fruto de muitas críticas, como terapeutas sistêmicas acreditamos em mudanças comportamentais advindas da realização de um processo terapêutico,  que  podem levar a mulher ao encontro da sua identidade ou individualidade e assim obter uma melhora na sua qualidade existencial.

1.  INTRODUÇÃO

Segundo a teoria sistêmica, todas as pessoas que compõem a unidade familiar, tem um papel na maneira como funciona a família, como se relacionam os membros entre si e na forma como finalmente o sintoma irrompe. (Bowen 1974)
Nesse artigo apresentamos e discutimos um caso clínico de dependência e co-dependência, que atendemos sob Supervisão em nosso curso de formação em Terapia Sistêmica, dando no presente estudo, maior ênfase à co-dependência. Desta forma, pretendemos compreender os efeitos patogênicos do dependente no  contexto familiar e avaliar o sofrimento psíquico de todos o s seus membros estabelecendo planos de intervenções terapêuticas para libertar o dependente, dissolver as co-dependências e devolver o equilíbrio à família, fazendo do meio familiar um elemento de proteção e não facilitação de comportamentos de risco.
Vamos também conceituar o dependente e o co-dependente, porque no Brasil ainda são incipientes os estudos sobre as relações complementares de mulheres com pacientes dependentes de drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas.  A co-dependência não é ainda reconhecida como doença e sim admitida como uma construção social, um transtorno de personalidade.
Diante do que pesquisamos em diversas literaturas e do que acompanhamos em nosso caso clínico, surgiu um grande questionamento: a co-dependência ocorre em homens e mulheres, sendo mais comum nas mulheres? Dessa forma, gostaríamos de investigar se o gênero feminino tem realmente uma probabilidade, tendência ou possibilidade maior de se tornar um co-dependente, ou seja, se existe uma relação entre co-dependência e o gênero feminino.
Na concepção machista a mulher é um ser PARA o outro (marido, filhos, pais) e não um ser COM os outros. A razão é cultural e histórica; a mulher se sacrifica, é submissa e mais dependente do que os homens nas relações, estando mais sujeita a co-dependência. Seja por regionalismo ou religiosidade, entendemos que há uma maior subserviência e uma enorme dificuldade do gênero feminino em se posicionar de forma diferente à co-dependência.  Assim sendo, a co-dependência feminina pode estar relacionada às questões culturais a qual o gênero feminino está exposto.
A sociedade patriarcal e falocrática determinam a co-dependência como uma tendência feminina marcante que atinge principalmente as mulheres de estilo romântico. As mulheres também sofrem violências públicas e explícitas de discriminação, o que compromete sua autoestima. A maioria dos psicólogos entende que os papéis tradicionais de gênero: homem provedor e mulher cuidadora são ainda valorizados.
Segundo o Dr. Cesar Vasconcellos de Souza os homens tendem a viver a co-dependência ficando obsessivos pelo trabalho, por um esporte ou hobby e já  as mulheres tendem a ficar obcecadas ou obsessivas por um relacionamento. Outras abordagens questionam o termo co-dependência para as mulheres como um rótulo preconceituoso. A literatura científica atual ressalta que o termo co-dependência teve seu uso vulgarizado.

2.  APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

Nosso estudo é baseado no caso clínico de uma família, cujo pai de 58 anos, bioquímico e farmacêutico, aposentado, é dependente químico (álcool e drogas), mãe de 56 anos, administradora de empresas, confecciona artesanato, co-dependente e usuária de medicamento antidepressivo controlado e um casal de filhos, com 32 e 29 anos, ambos estudantes universitários. Para tais observações realizamos atendimentos quinzenais com nossos clientes durante um ano desde o mês de março de 2011 no
Os nomes utilizados para identificação dos membros da família são fictícios. CEFAC – Centro de Estudos da Família e do Casal, inicialmente sob a observação de uma equipe reflexiva e supervisão, por detrás do espelho. O motivo inicial da consulta era ajudar o casal a atravessar crise em seu casamento de 38 anos. Miguel é alcoólatra e dependente químico, faz uso de medicamento controlado e freqüenta AA (Alcoólicos Anônimos); Jussara apresenta quadro de depressão, é acompanhada no CAP’s e também usa medicamento controlado. Ambos querem e lutam por um bom relacionamento, apesar de viverem em casas separadas. Falam da relação com amor, são rígidos e conscientes de suas limitações e é visível e significativo o desejo de cuidar de si individualmente.
Apresentam mitos e regras bem claras. Para ele o homem é o responsável financeiro da mulher e para ela o homem tem prioridade, até ao falar. Ele acredita que: “depois de velho” é melhor manter o casamento, pois “ninguém é feliz no segundo casamento”. Ela acredita que a mulher “tem que viver em função do homem” e que é responsável pelo bem estar do marido e sua felicidade também depende do bem estar dele. Falam com resentimento do episódio que gerou separação corporal, quando Miguel sob o efeito de drogas a ameaçou de morte e suicídio, o que culminou em sua prisão.
Nossas primeiras hipóteses eram que ambos se apresentam sem força. Ela necessita de mais independência e autonomia, além de melhorar a autoestima. Ele deseja se fortalecer para encontrar o prazer fora das drogas, entende o sofrimento dela e a rejeição de sua família. Mas o casal apesar de “juntos com tantos problemas”, está sem recursos para saírem da crise.
Nas sessões seguintes Miguel se mostra no centro de todos os problemas, oscilante, com dificuldade em se comunicar, repete comportamento considerado inadequado, agitado e agressivo, volta a beber. Jussara com medo, raiva, sentindo-se culpada e impotente, ainda tenta ajudar Miguel intervindo em “suas confusões”. Ela não consegue deixar de querer ajudá-lo, e sofre demasiadamente por não conseguir mudá-lo, não entende que não é possível controlar o incontrolável, e que tentar modificar outra pessoa é frustrante e deprimente, porque estará assumindo uma responsabilidade que não é sua. Eles não conseguem aceitar suas diferenças, não se metacomunicam e não percebem que Jussara também precisa de muita ajuda para sair da co-dependência. 
Na quinta sessão, Miguel abandona  a terapia. Com o afastamento de Miguel das sessões, Jussara começa a prestar mais atenção em si mesma. Somente neste momento entendemos que este casal não está mais “casado”, pois além de morarem em casas separadas, Miguel mantém relacionamentos com outras mulheres tanto fisicamente, quanto virtualmente, Jussara representa um porto seguro para ele. Quando Miguel viaja para encontrar-se com uma mulher que se correspondia em rede de relacionamento, Jussara se sente mais livre para experimentar fazer suas “coisas sozinha”, como sempre se sentia, apesar de ainda titubear diante dos apelos manipuladores de Miguel. Ela ainda cria expectativas muito altas diante dele, ainda é difícil dar limites, se valorizar e acreditar que é capaz de andar com suas próprias pernas. Sente necessidade em ajudar a família que, segundo ela mesma, “também está doente”, por isso, traz os filhos para o processo.
Quando realizamos o atendimento com a família, Jussara, Vitor e Vivian, foi observado que Vitor mostrou-se mais seguro e diferenciado, cuidando para que sua família nuclear não se misturasse com os problemas de sua família de origem, metacomunica e destriangula. Expressou-se de forma objetiva e clara, diferentemente de como Jussara o havia  descrito, e Vivian, ao contrário de Vitor, apresentou-se insegura, com dificuldade de relacionamento, inclusive na formação de sua família nuclear, repetindo o mesmo emaranhamento relatado a nós por Jussara. Encontra -se grávida e relaciona-se com um homem, também considerado difícil de lidar.
Com o falecimento da mãe, Jussara muda de moradia e assume o “negócio próprio” dela (mãe). Volta ao bairro de origem e começa a conviver novamente com familiares e amigos de infância. Tem total consciência do risco quecorre em vender bebida alcoólica para os vizinhos, mas banca assumir isso na tentativa de se tornar responsável por si e suas atitudes. Ainda se angustia com os erros que comete, quando cede aos “caprichos” de Miguel, mas vem cada vez mais se fortalecendo na perspectiva de “voltar a ter alegria de viver”.
Tornou-se avó e vem ajudando nos cuidados pueris da neta, observando na filha repetição de comportamento “deles” (pais, Miguel e Jussara) e no filho, mudança da imagem por ela construída (resignificação).  Mais conectada consigo mesma e na realidade, vem buscando se distanciar da responsabilidade sobre as atitudes de Miguel, abrindo mão de controlar-lhe, percebendo e aceitando que ele próprio resolva suas questões. 
Depois da evidência de um caso de dependência e co-dependência, traçamos uma conduta terapêutica voltada para a individuação (Diferenciação do Self) e metacomunicação. Utilizamos questionamentos circulares, equipe reflexiva e após a saída de Miguel, chamamos os filhos para continuar o processo estendendo a terapêutica para todos os membros da família. Estes compareceram apenas a duas sessões. Na décima sessão começamos a montar o genograma da família, para clarear a dinâmica do casal e desta forma reforçar a terapêutica de diferenciação do self e tentar fazer Jussara entender o papel que exerce e que contribui para a repetição de atitudes de Miguel nessa relação.
Achamos importante deixá-la consciente e atenta ao seu comportamento para que se fortaleça cada vez mais e tenha uma melhor qualidade de vida e em seus relacionamentos, evitando sentimentos de culpa pelo que não pode ser feito, ajudando -a a aceitar e valorizar o que tem e consegue  realizar, se implicando em suas atitudes.
Além de usarmos os seis conceitos principais que juntos formam a teoria de Bowen, buscamos outras técnicas para possibilitar a mudança de comportamento no sistema familiar de Jussara, como por exemplo: o genograma, que é uma representação gráfica que mostra o desenho ou mapa de uma família, com a função de organizar dados, processos de relacionamentos e os triângulos.  O genograma nos  ajudou  a averiguar a composição e dinâmica  familiar, elucidando padrões, regras, valores, crenças e mitos.
Através dele, pudemos identificar mais claramente os triângulos chaves nas cadeias auto-repetitivas. Ainda dentro da visão de Bowen (1979), utilizamos técnicas da formulação de perguntas circulares, auxiliado pelo genograma. Os terapeutas Bowenianos acreditam que entender como os sistemas familiares operam é bem mais importante que esta ou aquela técnica. Mas há necessidade de formulação de perguntas (treinamento) para ajudar na identificação dos processos emocionais, dando enfoque mais amplo no self e ligações mais funcionais, aqui o terapeuta precisa aprender a não tomar partido e ficar sem juízo de valores. Experiências de relacionamentos ajudam os membros da família a reconhecerem seu próprio papel dentro da triangulação (o triângulo é a unidade universal de análise), mas é preciso evitar que a família inclua o terapeuta no processo triangular.   Utilizar a posição “EU”, representação gráfica que mostra o desenho ou mapa de uma família, com a função de organizar dados, processos de relacionamentos e os triângulos (Bowen,1974) dizer o que sente em vez de falar do que o outro está fazendo, deslocar o  enfoque tornando-o menos pessoal e menos ameaçador. Com o auxílio  do genograma e  deformulação de perguntas circulares buscamos alcançar destriangulação.
Os transtornos de comportamentos brandos ou severos resultam da fusão emocional transmitida de uma geração para a próxima. A fusão emocional é a recíproca da diferenciação e diferenciação é quase sinônimo de maturidade. No sistema de Bowen  (1979)  a marca registrada da pessoa bem ajustada é a objetividade racional e individualidade. É possível adquirir níveis mais elevados de diferenciação através de processos de tratamentos de família.
Dessa forma, buscamos na terapia bloquear os triângulos, acalmar as escalações, falar diferentemente e objetivamente de assuntos difíceis, desintoxicar problemas perigosos, expor e anular  efeitos e segredos enterrados,  também usados pelos terapeutas Bowenianos.
A importância não só para nós, terapeutas desta família em atendi mento, mas para a sociedade e comunidade científica é esclarecer e desmistificar a veracidade da  problemática  em questão  e assim poder oferecer conforto e possibilidades de escolhas a ambos os envolvidos, dependente e co-dependente a seguirem suas vidas com melhor qualidade.

3.  REVISÃO DA LITERATURA

3.1 Drogas

Substâncias cujo uso continuado e/ ou abusivo provoca  danos à saúde e levam a dependência química. Segundo site Ballone GJ -  Dependência Química  -  in. PsiqWeb, Internet, disponível em  www.psiqweb.med.br,  revisto em 2010, a  dependência química é um conjunto de fenômenos que envolvem o comportamento, a  cognição  e a fisiologia corporal, consequente ao consumo repetido de uma substância psicoativa, associado ao forte desejo de usar esta substância, juntamente com a dificuldade em controlar sua utilização persistente apesar de suas consequências danosas. Na dependência geralmente há prioridade ao uso da droga em detrimento de outras atividades e obrigações sócio-ocupacionais.
O dependente dedica muito tempo obtendo a substância desejada, usando-a ou recuperando-se dos seus efeitos. A tolerância é o primeiro critério relacionado à dependência e a necessidade de crescentes quantidades de substâncias é outro critério e a “fissura” é o forte impulso subjetivo ou compulsão incontrolável para usar a droga.
O dependente pode até expressar um desejo persistente de reduzir ouregular o uso, mas reluta sempre em decidir deixar de vez. Informações e dados fornecidos pela  Wikipédia, enciclopédia livre, alguns dos efeitos da droga são: o relaxamento, alegria, euforia, sensação  de poder e percepções  maiores. O funcionamento biológico da dependência dá-se no sistema de recompensa do cérebro e algumas drogas, pela ativação farmacológica, aceleram esse sistema consideravelmente e a pessoa obtém o prazer desejado. Através das drogas que lidam com o humor, sensações e afetam o sistema nervoso central é que a pessoa adquire o vício. O LSD, por exemplo, não causa dependência, porque apenas produz alucinações, não trazendo prazer algum. É preciso ressaltar que nem todos os usuários de drogas tornam-se dependentes e compreender que elas, as drogas, simplesmente, por serem capazes de ativar o sistema de dependência, não torna o usuário dependente dela, pois nesta visão o açúcar seria problemático e beber socialmente também. Só a inviabilidade de controlar a frequência e a necessidade extrema de satisfação é que constituem a dependência.
Para a maioria das pessoas o consumo de álcool gera pouco ou nenhum risco de se tornar um vício.  Ou seja, vários e outros fatores contribuem, como o ambiente social, a saúde emocional e psíquica e a predisposição genética. O alcoolismo pode levar à morte e é considerada uma doença, cujo transtorno psicológico demanda tratamento multiprofissional.   Um levantamento sobre o uso de drogas psicotrópicas, realizadas em 2001 pela Universidade Federal de São Paulo (1º levantamento Domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas), mostrou a associação entre  o  alcóolatra  e  os fumantes, pois 67% deles iniciam  o consumo tabágico cedo, são na maioria homens e na faixa etária de 30 a 49 anos.
Os alcoólatras geralmente usam mais de uma droga concomitantemente com riscos de overdose e tem tendência maior a depressão e a cometer suicídio. Os tratamentos para o alcoolismo são bastante variados iniciando com a desintoxicação, terapia em grupo e psicoterapia, medicamentos, atendimento s em grupos de autoajuda, AA, etc.
No tratamento da dependência química é preciso ressaltar que a psicológica é de difícil tratamento e não pode ser resolvida relativamente rápida e simples como a física.

3.2 Dependência

Estudos apontam que,  faz parte da  natureza do homem, uma vez que toda a existência humana está compreendida entre estados de dependência. Durante a vida o ser humano cria relações de dependência com objetos, pessoas e situações. Algumas dessas relações são importantes para o bem estar, outras causam prejuízos, como a perda de autonomia.
Considera-se que, quando a pessoa tem comportamento compulsivo que a leva a consumir substâncias psicotrópicas, como álcool e drogas, para obter prazer ou aliviar tensões, ansiedades, medos e sensações físicas desagradáveis, este é um dependente químico.  As atividades sociais, ocupacionais ou recreativas podem ser seriamente prejudicadas, abandonadas ou reduzidas e o dependente pode afastar-se das atividades familiares a fim de usar a droga em segredo.
Nem todas as pessoas que experimentam drogas se tornam dependentes, pois existem fatores fortemente associados ao uso abusivo de drogas: fatores genéticos, psicológicos, familiares e sociais e esses fatores não costumam agir isoladamente, mas sim em conjunto.

Família

O meio familiar pode ser um importante elemento de proteção ou facilitação dos comportamentos de risco. A disfunção familiar e a existência de transtorno emocional prévio formam os fatores mais correlacionados ao maior risco para a dependência química.

Modelo cultural

A cultura através da mídia fortemente penetrante no pensamento do ser humano contemporâneo influi sobremaneira na elaboração de escala de valores.

A pessoa

 As pesquisas sobre a personalidade pré-mórbida do dependente sobre seu  histórico emocional, seus antecedentes psicopatológicos, sobre a sua natureza genética influi, as pesquisas devem valorizar o dependente com o mesmo entusiasmo que valoriza o meio.

O existencialismo de Sartre diz que “de fato a pessoa não deve ser responsabilizada pelo que o distúrbio faz com ela, mas é totalmente responsável pelo que ela vai fazer com aquilo que o destino fez com ela”.Existem dois tipos de dependência: física e psicológica. A física se caracteriza pela presença de sintomas e sinais físicos que aparecem quando a pessoa para de consumir a droga e diminui bruscamente o seu uso – síndrome de abstinência.
Já a dependência psicológica corresponde a um estado de mal estar e desconforto que surge quando o dependente interrompe o uso da droga, como ansiedade, sensação de vazio, dificuldade de concentração, depressão,  sintomas que variam de  pessoa para pessoa.
Enfim, a dependência química é considerada pela Organização Mundial de Saúde como doença, já que toda doença é uma alteração da estrutura e funcionalismo normal da pessoa que lhe seja prejudicial. É uma doença de múltiplas causas, com múltiplas repercussões, uma doença progressiva que tende a  piorar  com o tempo, doença crônica incurável, pois esteja ou não usando droga , a pessoa sempre foi e será um dependente. Também é uma doença familiar, pois o convívio com o dependente faz com que os familiares adoeçam emocionalmente e precisem se tratar também. Qualquer avanço em termos de recuperação depende de quanto mais tempo o dependente e o familiar levarem para admitir a real necessidade de ajuda. Quem adoece através do dependente químico torna-se um co-dependente.

3.3 Co-dependência

As origens do conceito de co-dependência podem ser encontradas da década de 1930 em algumas instituições de saúde mental dos Estados Unidos, quando assistentes sociais começaram a entrevistar esposas de dependentes de álcool.
O termo começou a se estruturar (concomitantemente aos Alcóolicos Anônimos  -  AA) em 1940 com o estudo sobre família e dependência, mais particularmente sobre as mulheres de dependentes de álcool.
Em 1950 no AA as esposas de dependentes começaram a discutir suas vivências e começaram a desenvolver estratégias de convivência com o estresse criado no ambiente familiar com a presença da droga.
No entanto, em 1970, com a ampliação do conceito de dependência e o desenvolvimento de abordagens sistêmicas, as definições de co-dependência também se estenderam, além da relação com a dinâmica das relações pessoais com dependentes de drogas, também passou a relacionar-se com a dinâmica das relações interpessoais disfuncionais que comprometem os processos de autonomia e diferenciação familiar.
Passou a ser objeto de estudo tanto das abordagens médicas quanto psicológicas, psicosociológicas e sistêmicas. Em 2000 as relações que as mulheres estabelecem com dependentes são então compreendidas como complementares. Então podemos entender que co-dependência é um transtorno emocional definido e conceituado por volta das décadas de 70 e 80, relacionado aos familiares dos dependentes químicos e atualmente estendido aos casos de alcoolismo, de jogos patológicos e outros problemas sérios de personalidade.  No livro Criando sua Liberdade – Amor sem dependência, seu autor, Carlos Barcelos (1993) define como sendo: uma necessidade imperiosa em controlar coisas, pessoas, circunstâncias e comportamento na expectativa de controlar suas próprias emoções.  Essa é uma definição básica de co-dependência.
Através do acompanhamento do caso clínico apresentado e dos estudos em torno da temática, pudemos constatar mais algumas nuances e nos deparamos com outros questionamentos a respeito deste assunto.  A família que atendemos é composta por quatro membros: pai (alcoólatra e usuário de psicotrópicos, facilitado por sua profissão: farmacêutico e bioquímico) e mãe (deprimida) – ambos em uso controlado de medicamento antidepressivo e desempregados - e um casal de filhos com idade entre 32 e 29 anos.
No começo, sem muitas respostas, entendemos que a co-dependência ocorre em situações como alcoolismo, uso compulsivo de drogas, outras compulsões, como no sexo, no trabalho, por comida ou compras e até doença física ou mental na família ou outros conflitos interpessoal. Existe uma situação problema em que uma pessoa problema cria os “problemas” para o cônjuge, parceiro, amigo ou família disfuncional.
O co-dependente tem a necessidade imperiosa de controlar o outro, na expectativa de controlar suas próprias emoções. Só que a sua capacidade de controle é limitada para controlar o incontrolável. Alguém privado de sua liberdade desenvolve um amor neurótico, recheado de ressentimentos e forte sentimento de injustiça. A relação de co-dependência é criada pelo medo e baixa auto-estima, onde o ser humano se ilude por não tolerar a verdade. Além disso, neste relacionamento co-dependente há uma aliança: ambos ou todos sofrem, mas, obtém diversas vantagens.
Libertar-se da co-dependência é aceitar a verdade para adquirir o direito de ser quem você é de forma simples e direta, mas, foi neste momento que começamos a perceber o quão difícil e árdua é esta tarefa, pois estamos falando de pessoas e famílias que desenvolveram características de baixa autoestima, desvalorização de suas próprias opiniões e qualidades, dificuldade de identificar sentimentos, forte compulsão em ajudar pessoas associado a uma grande necessidade de mudá-las e controlá-las e uma extraordinária pré- disposição ao sofrimento.
A necessidade de controle é central em todos os aspectos da vida do co-dependente, pois tendo deixado que sua vida fosse afetada pelo comportamento de outra pessoa, torna-se obcecado  por controlar tal comportamento acreditando que se sentirá melhor se conseguir modificá-lo. Acredita nas mentiras da pessoa problema e pensa estar louco, porque perdendo o contato com a realidade, não sabe mais o que é verdade ou mentira. Esquece-se de si mesmo, cria expectativas muito altas, sente-se culpado, confuso, tentando controlar circunstâncias incontroláveis. 
O co-dependente sofre mais do que a pessoa problema, porque não se beneficia com o efeito anestésico e prazeroso e o que o comportamento compulsivo provoca (bebidas, jogos, drogas, etc.), ou seja, continua sua vida suspirando por aceitação e um gole de amor (defeito emocional).
Estávamos diante de um clássico caso de co-dependência. Tudo isso acontecia com nossos clientes, que inicialmente nos procuraram para trabalhar a relação do casal, comprometi da por anos de sofrimento e muitas histórias de abuso. Após algum tempo em acompanhamento no AA (Alcóolicos Anônimos), o dependente volta ao vício e abandona nossas sessões. Passamos a atender apenas a mãe que nos trouxe os filhos para, como ela mesma disse: cuidar da família que está toda doente.
Esse sofrimento deveria fazer o co-dependente compreender que tentar modificar outra pessoa é frustrante e deprimente, porque estará assumindo uma responsabilidade que não é sua. Quando o co-dependente compreende essa verdade e se dispõe a mudar suas atitudes interiores, começa a experimentar o descanso resultante de aceitar a realidade tal qual é.
Não é coisa simples o co-dependente modificar seu comportamento, abandonando os papéis de sua escolha, pois já vimos que ele retira grandes benefícios, quer emocionais quer materiais da representação (Carlos Barcelos, 1993). O herói  encontra aplauso, o  bode expiatório  o alívio de suas culpas  imaginárias,  o mascote  vê todos rirem o que alivia o coração, a  criança perdida  encontra refúgio em suas fantasias. Porque arriscar uma mudança assumindo a realidade, o seu verdadeiro papel consigo mesmo?
Amar-se significa aceitar limites, tanto os nossos, como os dos outros e aprender a viver bem dentro das circunstâncias que nós não podemos mudar. Decisões difíceis geram sofrimento, mas porque não sofrer pelas razões certas?  Entendemos, então, que o problema do co-dependente é muito mais dele mesmo do que da pessoa problemática e normalmente, a nobre função do co-dependente depende da capacidade de ajudar ou salvar a outra pessoa, que sempre é transformada em vítima e não responsável pelos próprios problemas.   O que o co-dependente deve fazer para uma saúde emocional? A forma como uma criança percorre sua matriz de identidade é um parâmetro de como ela será na vida adulta.
Com a matriz de identidade completa, o sujeito tende a declinar da co-dependência. Com o tempo nos distanciamos tanto da nossa verdadeira identidade que acreditamos em sua inexistência e simultaneamente nos identificamos completamente com o eu falso ou co-dependente. Essa separação não nos leva a crer que alguém for a de nós pode nos trazer felicidade.

3.4 Diferenciação do self

Murray Bowen, psiquiatra de orientação psicanalítica, é o principal representante de um grupo de terapeutas que desenvolveram, por assim dizer, uma nova abordagem terapêutica em terapia familiar, cujo objetivo central é “desemaranhar o indivíduo da teia familiar” (Bowen, 1979). Para este, é necessário se chegar a fatores históricos ou causais e assim aliviar um sintoma ou alcançar mudanças. Ele acreditava que “onde quer que vamos, carregamos a reatividade emocional não resolvida com nossos pais, sob a forma de uma vulnerabilidade para repetir os mesmos antigos padrões em todo relacionamento novo e intenso em que entramos”, ou seja, Bowen (1979) descobriu que a família permanece dentro de nós e para onde vamos carregamos problemas emocionais oriundos da transmissão multigeracional. Ele acredita que o surgimento da doença emocional de um membro da família tem sua origem nas dificuldades que membros de gerações anteriores tiveram em separar-se do seu núcleo familiar. O processo se desdobra de geração a geração, como uma espécie de compulsão à repetição e sendo assim, ele propôs “identificar padrões originários no passado, os quais tiveram influência nas pessoas no presente e ajudá-las a se destrancarem, oferecendo um caminho para a conquista da individuação e autonomia”. Vários desses conceitos e terapêuticas, pudemos aplicar em nossa família.
Como os relacionamentos não são estáticos, Bowen  (1979)  observou padrões de relacionamentos repetitivos (simbiose), alteração de ciclos de proximidade e distanciamento (triangulação) e outros, e a partir de suas observações, se concentrou em conceitos de apego ansioso e funcional. O indivíduo que desenvolveu ao que ele chamou de apego ansioso, uma  forma patológica de ligação, difere daquele que desenvolveu o apego funcional, aspecto fundamental da diferenciação. Da mesma forma, para ele existem duas forças, uma que impulsiona para a união familiar e outra para a libertação rumo à individuação. Essas forças precisam estar em equilíbrio para que uma pessoa possa lidar de uma forma mais livre com sua própria vida e se diferenciar. Sabe-se, também, que todo indivíduo  enquanto criança nasce fusionada  e com o seu desenvolvimento, seu principal objetivo é  diferenciar-se para alcançar autonomia e independência.  Primeiro o importante é pertencer, que significa participar, saber que é membro de uma família e assim partilhar de suas crenças, valores, regras, mitos e segredos. Depois, vem em busca do diferenciar-se, o que se refere à afirmação de sua singularidade, à sua individuação e ao seu direito de pensar e expressar-se independentemente dos valores defendidos por sua família.  A diferenciação completa existe em uma pessoa que tem a ligação com sua família totalmente resolvida distinguindo o processo sentimental do intelectual, ou seja, quando o indivíduo adquire a capacidade de identificar e perseguir as suas próprias metas e, ao mesmo tempo, mantém o relacionamento íntimo com os outros (capacidade para o funcionamento autônomo).
Existem seis conceitos que interligados compõem a teoria de Bowen (1979), são elas: Diferenciação do self    separar sentimento de pensamento. Isto lhe permite estar em contato íntimo com os outros sem ser reflexivamente moldados por eles. Analisar seu próprio papel no relacionamento para libertar-se. Desejávamos que Jussara pudesse libertar-se da co-dependência para poder adquirir o direito de ser quem  é  de forma simples e direta, mas, percebemos o quanto seria difícil alcançarmos esse objetivo, em virtude do comprometimento familiar com relação ao seu processo de individuação.
Triângulos    A triangulação  é a configuração emocional de três pessoas, na qual a pessoa "triangulada" cumpre uma função periférica de regulação da tensão existente entre outras duas e, "na ausência de conflito explícito, encontra-se em um estado de insegurança e mesmo de sofrimento emocional. Em caso de conflito, o embaraço, ou o sofrimento, desvia-se e é transferido para os membros da díade, enquanto o terceiro  vê-se aliviado" (Miermont, 1994, p. 571).  Então, entendemos que o processo de triangulação faz parte do processo de relacionamento em famílias e grupos e acontece com a finalidade de diminuir a ansiedade, mesmo sabendo que o que acontece comumente é o aumento dos problemas, pois a depender do desequilíbrio dinâmico aumenta ou diminui sua tensão. O perigo está quando esses desvios se tornam grande demasiadamente e assim corrompem e destroem os relacionamentos familiares, isto porque “triângulos são um produto de indiferenciação no processo humano”. Por isso a destriangulação é extremamente necessária para o alcance da diferenciação do self, que tem como meta principal “poder estar em contato com o problema emocional que envolve duas pessoas e si próprio sem tomar partido, contra-atacar ou defender-se tendo sempre uma resposta neutra”.  Em nosso caso clínico, observamos que o filho mais velho conseguia destriangular e se metacomunicar com mais facilidade que a mãe e a irmã, que se mantinham fusionadas, paralisadas no relacionamento simbiótico e parasitário com o esposo e pai, respectivamente.
Processo emocional da família nuclear: diz-se que está intrinsecamente relacionado aos processos desenvolvidos no âmago da família nuclear e do par conjugal, destinado a solucionar as dificuldades advindas de ligações emocionais não resolvidas. A ausência de diferenciação na família de origem leva a um rompimento emocional dos pais, o que por sua vez, leva à fusão no casamento. Quanto menor diferenciação de self antes do casamento, maior será a fusão entre os cônjuges.
O grau de intensidade desses problemas relaciona-se ao grau de indiferenciação, extensão do rompimento emocional com as famílias de origem e nível de estresse no sistema. (Papero, 1998; Nichols & Schwarts, 1998)
Processo de projeção familiar: processo pelo qual os pais transmitem para seus filhos sua imaturidade e ausência de diferenciação, ou seja, transmite ao filho uma carga emocional de frustrações, ao invés de estimulá-lo ao processo de diferenciação. Esta projeção ansiosa, confusa e excessiva é diferente da preocupação carinhosa e pode prejudicar emocionalmente o filho que aos poucos vai desenvolver sintomas de imaturidade psicológica.
Processo de transmissão multigeracional: corresponde à passagem do processo emocional da família (tanto do marido quanto da mulher) através de várias gerações, onde todos os membros da família são agentes e reagentes. Eventos estressantes podem levar a família à disfunção por várias gerações posteriores. Retrata uma situação de aumento das tensões familiares eventos como: morte prematura, nascimento de uma criança deficiente, enfermidade, acidente, entre outros .
Posição dos irmãos: revela que os filhos desenvolvem algumas características de personalidade baseadas na posição dos irmãos em sua família. Para Bowen a soma do conhecimento das características gerais e específicas do sistema é essencial na provisão do papel que o filho exercerá no processo emocional da família e na persistência de padrões familiares para a próxima geração. Assim conflitos entre irmãos pode tornar-se um dos lados do triângulo.
É possível, também, trabalhar em terapia com famílias múltiplas, com casais, primeiro um e depois o outro para aprenderem na observação do outro e com histórias de deslocamento, filmes, vídeos sobre o funcionamento dos sistemas. O processo terapêutico é um ciclo em que o indivíduo deferência o self, transforma o sistema familiar, que por sua vez conduz a uma maior diferenciação do indivíduo.   O modelo de Bowen retira o foco dos sintomas e transfere para a dinâmica dos sistemas.
O tratamento desencoraja os terapeutas de tentar fixar os relacionamentos e  em vez disso encoraja os  clientes a começar um esforço prolongado rumo  a autodescoberta. Bowen considerou que a sua contribuição mais importante foi mostrar o caminho para tornar o comportamento uma ciência.

3.5 Dinâmica do casal

No decorrer do processo, após algumas sessões, sentimos necessidade de  entender e  avaliar melhor a dinâmica  e escolhas  deste casal  e para tal,  nos recorremos ao genograma (vide ANEXO I). O casal se conheceu e casou quando ainda eram muito jovens, ele com 20 anos, ela com 17. A família de origem de  Miguel, pai farmacêutico e mãe  que “gostava de beber”,  era composta por  10 filhos usuários e dependentes de droga  (dois já  falecidos,  decorrente, também,  do uso de drogas).  Na família de origem de Jussara encontramos um grande emaranhamento e muitos segredos velados. Sua mãe casara-se com um homem, mas mantinha um relacionamento extraconjugal com o enfermeiro e cuidador dele, o pai biológico de Jussara e sua irmã que viveram durante muitos anos sem saber a verdadeira versão, assim como as pessoas da comunidade onde moraram durante  toda  a infância e adolescência.  Somente após a morte do primeiro marido, oenfermeiro, cuidador  e verdadeiro pai das crianças,  assume o relacionamento  com a mãe  e acaba de criá-las.  Este foi um grande problema de identidade sofrido por Jussara durante muitos anos, pois, nem mesmo a própria mãe pode dissolver todas as suas dúvidas a respeito desta problemática. Até hoje, o pai que ela considera verdadeiramente não é o biológico e sim o que cuidou dela até a sua tenra idade de três anos, quando faleceu. Dessa forma, com a ajuda do genograma pudemos analisar melhor a escolha do casal e os níveis de diferenciação. Nos dados do casamento, fomos buscar definição e modelos de masculino e feminino, fragilidade e confiabilidade,para assim  compreender  melhor  a dinâmica deste casal e seu o processo de individuação.
Como a estruturação do vínculo existente nos indivíduos quando se inicia uma relação afetiva tem como base a vivência dos primeiros relacionamentos ligados à sua infância, estes também vão ser revividos de forma consciente ou inconsciente à medida que o tempo passa e se desenrola esta trama. Primeiro, com o enamoramento ambos desejam tornar-se apenas um só, aqui se dá ênfase a tudo que se é comum a ambos, depois com o passar do tempo surge necessidade de expressar os próprios sentimentos e as diferenças começam a aparecer, bem como os conflitos. Logo é preciso estabelecer as diferenças para construção de uma estrutura mais estável e aí entra forte a possibilidade do casal poder diferenciar-se de sua família de origem.
Justamente para poder-se avaliar o nível de independência emocional dos indivíduos perante sua família de origem, Bowen (1979) desenvolveu um conceito de escala de diferenciação, chamando atenção que a mesma serve de orientação, portanto, não devendo ser considerada como definitiva.  Esta escala possui uma classificação contínua de níveis baixos de diferenciação para níveis altos e é conceituada em cem quando existe uma diferenciação completa – o que significa ter uma ligação com sua família totalmente resolvida – e por outro lado um valor zero fixado arbitrariamente, quando não se alcança nenhuma independência emocional de sua família. Muitas informações são necessárias para fixar as pessoas num nível exato desta escala, mas é considerado muito importante quando o indivíduo alcança uma boa capacidade de distinguir pensamento de sentimento e aprendem a usar esta habilidade para direcionar suas vidas e resolverem seus próprios problemas.  Usando o parâmetro da referida escala, em nosso caso clínico, tanto para um quanto para o outro constatamos um grande comprometimento familiar e baixo nível de diferenciação. O modelo masculino de nossa cliente era de um ser frágil e inconfiável, exatamente como seu parceiro se apresentava.
Levando-se em consideração a próxima fase, o objetivo do casal é alcançar a estabilidade, fase em que as diferenças são respeitadas mutuamente. Em seguida, um relacionamento de nível mais maduro, aumentando assim o comprometimento. Esse momento não pode ser identificado em nosso caso, em função do fator complicador do dependente químico que apresenta recidiva e faz um corte na relação, bem como a própria imaturidade de ambos, casal, frente a aceitação de seus limites e diferenças.

3.6 Gênero feminino

Em biologia as fêmeas são definidas como os indivíduos de uma espécie, tanto animal, como vegetal, que produzem a célula reprodutiva   feminina    gameta feminino    chamado  óvulo, que quando fertilizado pelo gameta masculino    chamado espermatozoide    dá origem a um novo indivíduo. A ela também cabe caracteres sexuais secundários envolvidos da nutrição da cria pré e pós-parto.  Ao longo dos tempos, quando surgem as sociedades,  surge também a divisão sexual dos trabalhos e pelo fato de gerar o filho e amamentá-lo,  o aprendizado das atividades de cuidar foi sendo  definido  como uma tarefa da  fêmea.  Isso se perpetua até os dias atuais,  onde ainda  encontramos mais mulheres dispostas a trabalhar em ambientes e profissões ligadas ao cuidado, como em hospitais e escolas, exercendo nada mais nada menos que um papel de “cuidadora”.
Na visão de Lúcia Cortes da Costa do ponto de vista psicológico, a função de reprodutora da espécie, que cabe à mulher, favoreceu a sua subordinação ao homem. Desta forma,  a  mulher foi sendo considerada mais frágil e incapaz para assumir a direção e chefia do grupo familiar. O homem, associado à  idéia de autoridade devido a sua força física e poder de mando, assumiu  também  o poderdentro da sociedade.  Mudanças muitos lentas vem acontecendo e hoje já é mais comum mulheres no comando, ainda que com grandes diferenças de salários e posições de cargos, ou seja, a construção de um novo cenário na atual sociedade parece ser inevitável.
Porém, do ponto de vista sociológico, a filósofa e mestra Ângela Rodrigues (2009), diz que os gêneros, masculino e feminino, são criados na década de 70, para explicar que o sexo social não é determinado pelo sexo biológico, ou seja, a “sociedade imputa uma diferença cultural entre homem e mulher que resulta em uma cisão construída, independente, portanto de determinações biológicas”.
Outra conceituação de gênero está pautada na tese de que o conceito de gênero é apenas uma “divisão simbólica dos sexos”, não tem base biológica nem cultural, “é uma lógica de pensamento, emoções e representação da subjetividade íntima das pessoas.” (LAMAS apud CASTILHO, 2008). Podemos entender então, que esses conceitos foram criados também buscando compreender as relações estabelecidas entre homens e mulheres, os papéis que cada um assume na sociedade e suas relações de poder.
Apesar de todos os esforços por parte de várias mulheres feministas ou femininas para minimizar as diferenças entre homens e mulheres na sociedade, buscando principalmente igualdade no mercado de trabalho e liberdade de expressão e de sua sexualidade, percebemos que por constituição, pelo fato da mulher vivenciar uma relação de dependência maior em seus relacionamentos devido a fatores históricos, culturais e religiosos que ainda são predominantes na sociedade atual e também por gerar dentro de si um ser extremamente vinculado e dependente de seus cuidados, o gênero feminino carrega consigo uma porção de probabilidade a se tornar co-dependente.  Porém, não encontramos nenhum registro que restrinja ou defina como exclusivo ao gênero feminino o processo da co-dependência. .

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Completados um ano de processo terapêutico desta família, onde a partir da quinta sessão compareceu apenas um membro, ou seja, a mulher, pudemos fazer uma análise das melhorias obtidas após as intervenções terapêuticas comparando-as com o estilo de vida da família antes da terapia.
O marido internou-se um uma clínica de recuperação para usuário de drogas, por três meses e a esposa passou a cuidar mais de si própria, melhorando sua autoestima. Estabeleceu planos para sustentar-se financeiramente sem ajuda do marido e continua implicada em sua terapia individual.
Os filhos melhoraram a comunicação entre si, tornando-se também mais independentes e cuidando mais diretamente das suas respectivas famílias nucleares. Concluímos que as sequelas decorrentes das vivencias familiares perduram, duram por longos períodos. A metamensagem de uma família disfuncional é de desconfiança, pois todos os membros acreditam que sua família foi danificada ou destruída, o que restringe muito a vida desses indivíduos.
Observamos também que as mulheres são as mais atingidas e tem grande dificuldade de resgatar a autoestima e parecem viver marcadas pelo medo das repetições e repetem. Os homens dependentes, co-dependentes ou fragilizados por qualquer transtorno psicológico, seguem em frente e as mulheres ficam meio que paralisadas através do outro, sejam eles: pais, maridos, filhos, parentes, vizinhos.  Isso, de certa forma, nos foi confirmado em nosso caso clínico, quando vimos claramente que a co-dependência foi gerada na mulher e na filha do casal, ficando de lado o paciente identificado, o próprio dependente químico e o outro filho, do sexo masculino.
Para nós, parece que é da natureza feminina ainda a aceitação de poder estar em segundo plano, posicionando-se como vítima do outro, da sociedade, da própria vida. Levando-se em consideração as definições e análises sobre gênero feminino e por outro lado, pensando sistemicamente, também cremos na possibilidade de através do processo terapêutico, tomada de consciência e com ajuda do tempo, se o cliente assim o desejar, quiser usar sua autonomia, reescrever a sua história e assim realizar as transformações necessárias para alcançar melhoria na qualidade de estar no mundo, mais livre e exercendo compaixão diante daqueles que durante um tempo em suas vidas representaram suas amarras, ou seja, ”aprender a ser só, para aprender a só ser”.
Portanto, o convite  à  reflexão,  tomando como fundo a melodia de Gil (1973):

Preciso aprender a só ser
Sabe, gente
É tanta coisa pra gente saber
O que cantar, como andar, onde ir
O que dizer, o que calar, a quem querer
Sabe, gente
É tanta coisa que fico sem jeito
Sou eu sozinho e este nó no peito
Já desfeito em lágrimas que eu luto para esconder
Sabe, gente
Eu sei que no fundo o problema é só da gente
É do coração dizer não quando a mente
Tenta nos levar para casa do sofrer
E quando escutar um samba-canção
Assim como
“Eu preciso aprender a ser só”
Reagir
E ouvir
O coração responder:
“Eu preciso aprender a só ser”


5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.  Calegari, D. Amor, sexualidade e as etapas da vida. In: CONVENÇÃO BRASIL LATINO AMÉRICA, CONGRESSO BRASILEIRO E ENCONTRO PARANAENSE DE PSICOTERAPIAS COPORAIS. 1., 4., 9., Foz DO Iguaçu. Anais. Centro Reichiniano, 2004. CD-ROM. ISBN – 85-87691-12-0].
2.  Hintz, Helena Centeno. Dinâmica da Interação do Casal. Pensando Famílias, 1 (1), ago. 1999; (31-40).
3.  Barcelos, Carlos. Criando sua liberdade: amor sem dependência/ Carlos Barcelos – São Paulo: Editora Gente, 1993.
4.  Riso, Walter, 1951 – Amar ou depender?: como superar a dependência afetiva e fazer do amor uma experiência plena e saudável / Walter Riso; tradução de Marlova Aseff – Porto Alegre, RS: L&PM, 2010. 176p. (Coleção L&PM POCKET, v.824).
5.  Norwood, Robin. Mulheres que amam demais/ Robin Norwood; tradução de Cristiane Maria Ribeiro – São Paulo: Best Seller, 1987.
6.  Coletânea de textos CEFAC, tradução do capítulo IV do livro “Family Therpy in Clinical Practice” – M. Bowen, Editora Janson Aranson Inc. Nov. 2009.
7.  Fatores gerais que influenciam o nível de diferenciação, tradução de Nina Vasconcelos e Vânia Castilho, do capítulo IV – “Diffrentiation of Self”, do livro “Family Evaluation” – M. Bowen e M. E. Keer, editora W.W. Norton e Company. P.89 a 111. New York, 1988.
8.  Triângulos, tradução de Nina Vasconcelos e Vânia Castilho, do capítulo VI do livro “Family Evaluation” – M. E. Keer e M. Bowen.
9.  NICHOLS, M e SCHWRTZ, R. Terapia Familiar boweniana. In: Terapia Familiar. Porto Alegre: Artmed, 1998. Cap.9, p. 309 a 338.
10.  Quando um homem ama uma mulher, 1994. Direção de Luis Mandoki, Roteiro – Ronald Bass, Al Franken – EUA.
11.  http://www.psiqweb.med.br/ textos - Ballone GJ – Dependência Química – in. PsiqWeb,
12.  Wikpédia, Internet.