sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

INTERVENÇÃO RELIGIOSA NA RECUPERAÇÃO DE DEPENDENTES DE DROGAS



Blog “Dependência e Co-dependência Química”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel. Disponível em http://dependenciaecodependenciaquimica.blogspot.com.br/
 

RESUMO

OBJETIVO: Analisar intervenções religiosas emergentes para recuperação da dependência de drogas.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: Estudo qualitativo exploratório realizado em São Paulo, SP, em 2004 e 2005. Foram conduzidas 85 entrevistas em profundidade com ex-usuários de drogas que haviam utilizado recursos religiosos não-médicos para tratar a dependência de drogas e estavam abstinentes há pelo menos seis meses. Os grupos religiosos analisados foram católicos, evangélicos e espíritas. As entrevistas continham questões sobre dados sociodemográficos, religiosidade do entrevistado, história do consumo de drogas, tratamentos médicos para dependência de drogas, tratamento religioso e prevenção ao consumo de drogas pela religião.

ANÁLISE DOS RESULTADOS: Houve diferenças no suporte ao dependente de drogas em cada grupo. Os evangélicos foram os que mais utilizaram a religião como forma exclusiva de tratamento, apresentando repulsa ao papel do médico e a qualquer tipo de tratamento farmacológico. Os espíritas foram os que buscaram mais apoio terapêutico à dependência de álcool, simultaneamente ao tratamento convencional, justificado pelo maior poder aquisitivo. Os católicos utilizaram mais a terapêutica religiosa exclusiva, mas relataram menos repulsa a um possível tratamento médico. A importância dada à oração como método ansiolítico era comum entre os três tratamentos. A confissão e o perdão – por meio da conversão (fé) ou das penitências, respectivamente para evangélicos e católicos – exercem apelo à reestruturação da vida e aumento da auto-estima.

CONCLUSÕES: Segundo os entrevistados, o que os manteve na abstinência do consumo de drogas foi mais do que a fé religiosa. Contribuíram para isso o suporte, a pressão positiva e o acolhimento recebido no grupo, e a oferta de reestruturação da vida com o apoio incondicional dos líderes religiosos.

DESCRITORES: Religião e Medicina. Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias, prevenção & controle. Reabilitação. Relações Interpessoais. Pesquisa Qualitativa. Estudos quantitativos epidemiológicos associam a religiosidade a menor consumo de drogas e a melhores índices de recuperação para pacientes em tratamento médico para dependência de drogas. A religiosidade atua como protetora ao consumo de drogas entre pessoas que freqüentam a igreja regularmente, praticam os preceitos da religião professada, crêem na importância da religião em suas vidas ou tiveram educação religiosa formal na infância.

Estudo qualitativo no Brasil identificou que a maior diferença entre adolescentes usuários e não-usuários de drogas psicotrópicas, de classe socioeconômica baixa, era a sua religiosidade e a de sua família. Observou-se que 81% dos não-usuários praticavam a religião professada por vontade própria e admiração e que apenas

INTRODUÇÃO

Mediante o estudo realizado, constatou-se que 13% dos usuários de drogas faziam o mesmo. Outro estudo com estudantes universitários em São Paulo observou-se que alunos com renda familiar alta e sem religião (não professa nenhuma) encontravam-se em maior risco para o consumo de drogas. Detectou-se ainda a ausência de bebedores excessivos entre espíritas e protestantes que professam suas religiões.
Sugere-se que a religiosidade, independentemente da religião professada, facilita a recuperação da dependência de drogas e diminui os índices de recaída de pacientes.Richard et al19 (2000) afirmam que a ida aos cultos e missas contribui para diminuição do consumo de drogas, como a cocaína, sem que haja necessariamente, um tratamento formal nesses locais.
Alguns autores sugerem que a religiosidade pode auxiliar no processo de recuperação de dependentes de drogas pelas seguintes vias: aumentos do otimismo, percepção do suporte social, resiliência, ao estresse e diminuição dos níveis de ansiedade. Para Barret et al este mecanismo estaria muito mais relacionado a questões sociais, como a re-socialização do jovem por meio de reestruturação da rede de amigos, colocando-os em um ambiente sem oferta de drogas.
Pardini et al ressaltam que enquanto há poucas pesquisas científicas analisando o impacto e mecanismo da religiosidade no tratamento de dependentes de droga, muitos investigadores teorizam tais fatores. As conclusões, em geral, são pautadas em suas crenças e resultados quantitativos indiretos desses estudos. Desta forma, esses autores sugerem pesquisas qualitativas que permitam a compreensão do fenômeno em suas múltiplas dimensões.
Há indícios, em especial nos meios midiáticos, da atuação emergente de grupos religiosos brasileiros na recuperação de dependentes de drogas, utilizando-se apenas da fé de seus fiéis como recurso terapêutico, sem intervenção médica, no próprio “templo” religioso. O objetivo do presente estudo foi analisar intervenções religiosas na recuperação da dependência de drogas.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Foram escolhidas as religiões católica, evangélica (protestante) e espírita (kardecista) devido seu impacto e a totalidade de seus adeptos no País, representando 95% da população brasileira que professa alguma religião (IBGE, 2000). Foi realizado estudo qualitativo exploratório com observação participante entre 2004 e 2005, durante 17 meses, em 21 instituições religiosas da cidade de São Paulo, onde os rituais puderam ser vivenciados. Participaram das entrevistas em profundidade pessoas que haviam se submetido a um “tratamento” religioso para dependência de drogas e que estivessem abstinentes por no mínimo seis meses.
Para a obtenção da amostra foram entrevistados dez informantes-chave, que facilitaram a aproximação com a população-alvo e forneceram subsídios para a elaboração do questionário. Os informantes-chave consistiram em: quatro representantes evangélicos das denominações históricas, pentecostais e neopentecostais; três dirigentes de grupos espíritas, responsáveis pela área de assistência espiritual de centros espíritas e três representantes católicos da igreja tradicional.
Os investigados foram recrutados por meio da técnica de “bola de neve”, caracterizada por sucessivas indicações de informantes. Foram investigadas oito cadeias no meio evangélico, sete no espírita e cinco no católico. O tamanho da amostra (N=85) foi suficiente para garantir a inclusão de todos os perfis a serem analisados, quando os relatos chegaram à redundância, atingindo o ponto de saturação teórica. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas a partir de questionário com perguntas previamente padronizadas e outras desenvolvidas ao longo do diálogo.
O questionário foi aplicado aos três grupos e no momento da entrevista foram feitos ajustes de acordo com as peculiaridades de cada grupo. O instrumento foi elaborado com sete tópicos centrais divididos em 46 perguntas: dados sociodemográficos, religiosidade do entrevistado, história do consumo de drogas, tratamentos médicos para dependência de drogas, tratamento religioso, prevenção ao consumo de drogas pela religião. A classe socioeconômica foi avaliada pela escala Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB).
As entrevistas tiveram duração média de 90 min, foram anônimas e gravadas com a concordância prévia do entrevistado, após leitura do termo de consentimento livre e esclarecido. Após transcrição, cada entrevista foi identificada com código alfanumérico composto pela inicial do nome do entrevistado, idade, inicial do sexo (F ou M) e uma letra correspondente ao grupo religioso: católicos (C), espíritas (E) e evangélicos (P). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

No total foram entrevistados 69 homens (81%) e 16 mulheres (19%). Houve predomínio de homens nos três grupos, o que está em acordo com maior número de homens consumidores de drogas no Brasil. Evangélicos apresentaram em média 35 anos de idade, católicos 36,3 anos e espíritas 48,1 anos. Quanto a classe social e escolaridade, os três grupos entrevistados seguiram o perfil descrito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no último censo demográfico.
Os evangélicos apresentaram as menores rendas; os católicos, média similar à da população brasileira e espíritas com as maiores rendas. O índice de desemprego foi em torno de 10% entre espíritas e católicos e 20% entre evangélicos. Nenhum evangélico apresentou nível superior de estudo, enquanto os espíritas apresentaram três vezes mais entrevistados com nível superior que os católicos (três entrevistados no grupo católico e nove no espírita).

Religiosidade na infância e adolescência

Embora a maioria dos entrevistados fosse proveniente de famílias católicas, eles não professavam a religião. Não houve relatos de relevância prévia dada à religião, porém, todos os entrevistados relataram que acreditavam em Deus quando resolveram buscar uma possível ajuda “Dele”.

Dependência de drogas

Por meio de aplicação das questões do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV) para diagnóstico de dependência, observou-se que todos buscaram a ajuda religiosa quando dependentes de alguma droga psicotrópica. Houve diferenças entre tipos de droga e grupos religiosos procurados. Todos evangélicos relataram consumo de drogas ilícitas alguma vez na vida, mesmo que experimental, com os maiores índices de dependência para cocaína e crack no momento de busca da religião. O critério diagnóstico mais citado foi o consumo persistente da droga, e problemas legais decorrentes do tráfico e porte da droga. Católicos e espíritas apresentaram maior freqüência de dependentes de álcool.
As pessoas que se beneficiaram do “tratamento” religioso não estavam em fase de experimentação da droga. A maioria relatou sintomas negativos da retirada da droga e dificuldades enfrentadas para superar o desejo persistente de voltar a consumi-las. No entanto, mesmo sem o uso de medicamentos, todos alcançaram a abstinência. A maioria dos entrevistados era dependente de cigarro simultaneamente a outras drogas, mas somente seis buscaram a religião no intuito de parar o consumo do tabaco.
O tempo médio de abstinência alcançado foi de cinco anos entre os três grupos. Esse fato pode ser considerado um indicativo de sucesso, quase todos estavam abstinentes há mais de dois anos. Os períodos mais longos de abstinência foram encontrados entre espíritas e os mais curtos entre evangélicos, o que pode ser explicado pela diferença de faixa etária entre os grupos.

Busca do tratamento religioso

Os entrevistados relataram momento de crise existencial e comportamental. A droga não gerava mais prazer, mas sim a angústia de perceber que haviam perdido referenciais de vida. A conscientização da crise não foi imediata, levando até dois anos, a partir do momento em que se vincularam ao grupo religioso, e ocasionada por motivos distintos de acordo com o grupo. Entre espíritas e católicos, grupo com maiores índices de dependência de álcool do que de drogas ilícitas, a crise foi marcada pela perda do controle sobre seus atos, como cuidar dos filhos, trabalhar, tomar banho, entre outros.
Foram descritos eventos de choque emocional decorrentes do consumo de álcool, como o relato de coma alcoólico: “Meu filho me viu caído no chão, bêbado até o topo. No dia seguinte chorou muito e me pediu ‘Pai, não morre, você morreu ontem, não morre de novo! Fala que você vai parar de beber que nem a mãe te pediu.’ Eu vi que não tinha jeito, tinha que sair daquilo.” (L35MC).
Segundo relato dos evangélicos, a conscientização da crise estava relacionada a problemas legais com traficantes e polícia; temiam mais a “morte por tiro” do que qualquer implicação orgânica do consumo da droga. A maioria relatou que a divulgação dos poderes da igreja evangélica pela mídia televisiva ou por parentes e amigos foi fundamental para buscar ajuda nesses locais. A comprovação de “eficácia” na cura de doenças, inclusive a dependência química, poderia estar relacionada à fé dos entrevistados no poder de sua igreja.
“Eu sabia que precisava buscar Deus. Ouvia as coisas sobre os evangélicos em todo lugar e pensava, real-mente, se Deus curou o cego e o leproso, por que não cura dependência de drogas também, por que não me tira da rua, da miséria?” (C31MP)

Tratamentos convencionais anteriores

A maior parte dos entrevistados católicos e evangélicos nunca se submeteu a tratamento convencional para dependência de drogas, justificaram que a primeira escolha deles foi buscar ajuda na religião, pois era algo gratuito e imediato. Os poucos que diziam ter buscado auxílio médico, enfatizaram a dificuldade de encontrar serviços públicos na área e a demora no agendamento de consultas e possíveis terapias, conforme relato a seguir:
“Te deixam esperando a vida toda. Você é usuário de drogas, se te mandam voltar depois de um mês você já desistiu, já se afundou mais. Por isso nem comecei.”(N26MP). Entre espíritas, por recomendação do próprio grupo religioso, o tratamento médico foi feito paralelamente ao “tratamento” espiritual. Quando não tinham condições de arcar com o custo do tratamento particular, associavam-se a grupos de mútua-ajuda como os Alcoólicos Anônimos (AA). A questão financeira não foi apresentada como impeditivo ao tratamento, diferentemente dos outros grupos. Os espíritas avaliam o tratamento médico como fundamental em associação com o “tratamento espiritual”, na recuperação de qualquer patologia; porém consideram a atenção e acolhimento recebido dos profissionais da saúde como algo frio e distante, como pode ser notado no discurso a seguir:
“O tratamento médico é fundamental. Mas você se sente um lixo. Os médicos se põem como superiores e te tratam como um zé mané. Aí você vai num centro [espírita] ou num AA e as pessoas te tratam como igual, não têm nojo de você, não se acham melhores que você. Isso faz toda a diferença.”(R50ME).

Elementos comuns no tratamento religioso

Dentre as técnicas de “tratamento” comuns aos grupos foram relatadas: oração, conscientização da vida após a morte e a fé como promotora de qualidade de vida. O “tratamento” tem como objetivo a abstinência total, não sendo admitida a possibilidade de sucesso por meio de redução de danos por nenhum grupo. A questão da conscientização da vida após a morte e da estruturação da fé são tratadas nos cultos semanais religiosos. Possuem nome específico de acordo com a religião (missa, culto, evangelho). A freqüência nestas reuniões de cunho moral e informativo permite que os princípios propostos por Jesus Cristo passem a formar o alicerce moral do fiel.
O maior consenso entre as religiões é a proposta de orações freqüentes e, principalmente, no momento de desejo incontrolável de consumir a droga. As religiões incentivam essa prática como um dos artifícios no controle da recaída e sugerem que seus adeptos orem, no mínimo: ao acordar, pedindo proteção para o dia e antes de se deitar, agradecendo a proteção recebida.
Para todas elas, a prece, ou oração, seria a forma de contato direto com Deus, como um diálogo entre pai e filho. Em relação ao tratamento da dependência, a oração é considerada o substituto da terapia farmacológica e teria função ansiolítica semelhante a um fármaco para esse fim: “Eu sonhava de noite que eu usava, acordava pingando, suado, com o coração disparado. Aí punha os joelhos no chão, orava. Foi um mês assim.” (V37MP).
Além de tranqüilizar o usuário de drogas, por meio de um estado meditativo e de alteração da consciência, a oração também promove a fé, dividindo a responsabilidade do “tratamento” com Deus; ameniza o peso da luta solitária e permite Sua intervenção protetora frente aos “espíritos do mal” ou o “diabo”. A fé promove a qualidade de vida.
A adoção de referenciais da religião faz com que o fiel confie na proteção de Deus e respeite as normas e valores impostos pela religião, melhorando a qualidade de vida dos adeptos. Esse comportamento levaria ao afastamento natural das drogas, à falta de interesse impulsionada pelo medo ou apenas pela conscientização da degradação moral associada ao abuso destas substâncias. O enfrentamento das dificuldades, a partir da perspectiva espiritual apoiado na fé, acaba proporcionando afastamento natural de atitudes contrárias a moral difundida pela religião. Além disso, o fato de se contar com a ajuda irrestrita de Deus gera um amparo constante, conforto e bem-estar.
Apesar de particular em conteúdo e intensidade, a fé é desenvolvida nos cultos religiosos, onde os líderes religiosos defendem argumentos sobre seu potencial de cura, de bem-estar e de salvação. Assim, a fé é moldada pelo conteúdo do culto. Entre evangélicos, é comum os cultos terem um tempo dedicado ao testemunho de fé: quando alguém que recebeu uma dádiva de Deus, por ação de sua fé, relata sua história.
Independentemente da religião, a fé é tratada como elemento-chave da vida espiritual ou religiosa, razão pela qual os encontros assumem fundamental importância. “O tratamento é ter fé. O que mostram lá de diferente é que isso tem resultado. Você vê que Deus é poderoso. Eu orava e falava: nossa! não é que funciona?” (S49MC).
A realidade da existência do espírito e a imortalidade da alma ampliam a concepção de futuro. É consenso entre estas religiões que o consumo abusivo de drogas prejudica o presente e o futuro, transcende a morte. A possibilidade de que um comportamento criminoso prejudicaria o crescimento espiritual é enfatizada. Para os católicos e evangélicos, o usuário de drogas não redimido, passaria a eternidade no “Inferno” pagando seu pecado contra Deus. No espiritismo, esse usuário adquire um “carma” negativo que retardará sua evolução espiritual e que deverá ser quitado em encarnações futuras, com sofrimentos ou pela prática da caridade.
Essas religiões descrevem danos relativos ao abuso de drogas, para o presente e eternidade, ampliando a responsabilidade do usuário. Além disso, as religiões aceitam que espíritos inferiores, forças do mal, demônios e encostos (denominação própria para designar a influência negativa de entidades invisíveis aos olhos dos vivos) possam influenciar o usuário de drogas a se manter na rotina de consumo. A reunião religiosa que congrega seus seguidores na instituição chama-se culto no evangelismo, missa no catolicismo e evangelho no espiritismo; apesar de diferentes nomes e dinâmicas, têm o objetivo de divulgar o conhecimento da religião. É uma forma para o dependente de drogas entrar em contato com as informações necessárias para seu aprimoramento moral e salvação, baseadas no Antigo e Novo Testamento. No caso do Espiritismo, soma-se a obra de seu codificador, Allan Kardec.
Os cultos evangélicos neopentecostais e as missas da Renovação Carismática Católica são semelhantes, cujos elementos-chaves são o contato entre seus membros e os louvores. Os presentes são convidados a pronunciarem frases de encorajamento ao seu “vizinho de poltrona” e a realizarem preces de intervenção a outras pessoas.
“Eu ia todo dia nos cultos que tinham. (...) É ali que eu alcancei minha libertação (...) Deus foi nos abençoando aos poucos e eu fui perdendo a vontade de continuar naquela vida.”(A36MP). No Espiritismo, as reuniões de evangelhos são dirigidas por um palestrante que expõe um tema, faz uma oração de agradecimento, pedido e/ou louvor e uma prece intercessora, chamada de “vibração”. Todo o processo é silencioso, sem cânticos, sacramentos ou liturgias.
Os grupos religiosos mantêm grupos de mútua-ajuda, baseados na estrutura dos 12 passos dos AA ou Narcóticos Anônimos, como parte do “tratamento”. “Nossa! A sala é o melhor que me aconteceu. (...) Lá você se abre, conta tudo e é que nem uma terapia, mas de graça. Te ouvem, te aconselham, você sai de lá leve. Andando nas nuvens.” (N19FC)

“Tratamento” religioso evangélico

Os entrevistados submetidos ao “tratamento” evangélico formal (vincularam-se à igreja) para a dependência de drogas freqüentaram os cultos e as atividades gerais da igreja, sentindo-se compelidos a deixar de consumir a droga. Para eles, é a fé que cura; acreditam que Deus salva (e assim cura) seus filhos que tem fé mostrada pela freqüência contínua à igreja, conforme relato a seguir:
“Eles falam assim: não desista de ir à igreja, porque pode ser que o seu caso não foi da libertação instantânea, mas pode ser a gradativa e se afastar-se da igreja já era, não tem chance. Então tem que continuar vindo com fé que Deus salva sim.” (N26MP). A responsabilidade da resolução de seus problemas é entregue a Deus, crendo que a fé seja suficiente para demover-lhes todas as culpas e pecados precedentes.
Os evangélicos oferecem ainda três recursos particulares no tratamento da dependência de drogas: a reunião de células – grupo de cerca de 12 membros freqüentadores da igreja que se reúne para estudar a bíblia semanalmente e dar apoio emocional de qualquer ordem a seus membros; expulsão do demônio – feita pelo grupos neopentecostais, em seus cultos de cura e libertação; leitura da bíblia – forma de receber bênçãos divinas.

“Tratamento” religioso católico

Ao contrário dos evangélicos, a maior parte dos entrevistados católicos foi submetida a “tratamento” que segue o molde dos grupos de AA, com princípios católicos e sem tratamento farmacológico. Os entrevistados afirmaram que Deus deu-lhes forças para parar de consumir drogas, mas o sucesso dependeu do esforço individual, sem características místicas. O sucesso do “tratamento” foi atribuído a algo “concreto”, como o auxílio de pessoas ou grupos, como pode ser notado a seguir:
“No dia que cheguei fui muito bem recebida. Um acolhimento nota dez. Tenho certeza de que se aquela senhorinha não tivesse me tratado como a pessoa mais importante do mundo, eu não teria voltado e nem feito parte do grupo.” (E29FC). Os católicos oferecem dois recursos terapêuticos exclusivos: a confissão e a eucarística. A confissão é considerada terapia espiritual. Quando o sacerdote pronuncia a absolvição sacramental, traça o sinal da cruz e declara que ele está perdoado, o indivíduo é tocado por uma sensação de ter saído da condição de pecador para a de servo de Jesus, melhorando sua auto-estima.
A confissão exime o dependente de drogas da culpa de seus erros passados e torna possível um futuro novo, a partir do ponto zero. Na comunhão, os entrevistados crêem que estão recebendo parte de Jesus que os protegerá da vontade de consumir drogas.

“Tratamento” religioso espírita

A avaliação do “tratamento” espírita foi prejudicada porque os entrevistados deste grupo submetiam-se simultaneamente a tratamento médico para o mesmo fim. Os principais pontos da terapêutica espírita baseiam-se em passes para o re-equilíbrio energético e no afasta-mento dos “espíritos pouco evoluídos” pelo método da desobsessão. Os espíritas trabalham o estado emocional do dependente de drogas, elevando sua auto-estima e dando subsídios para o enfrentamento das dificuldades, utilizando da moral contida nos evangelhos.
Apesar de todos os entrevistados deste grupo terem passado por esses procedimentos, não os valorizaram em seus discursos. Os espíritas crêem que sua religião ofereceu-lhes recursos para mudarem sua forma de pensar e de agir e, por isso, passaram a realizar ações benéficas, como a caridade, favorecendo o recebimento de ajuda dos “espíritos protetores”.
“O que mais me ajudou nesse processo [recuperação da dependência de álcool] foi o trabalho voluntário na creche. Você se torna útil, ajuda e, acima de tudo, recebe muita ajuda do plano espiritual por isso. Comecei indo uma vez por semana, cheguei a ir três. Se eu pudesse ia todo dia. Dá-me vida.” (L51FE).

Acolhimento e a coesão do grupo

O principal fator que vincula os entrevistados à religião é ao acolhimento recebido. Eles chegam ao grupo em tal estado deplorável físico e moral, que se sentem ex-cluídos da sociedade. No entanto, eles são tratados com respeito e dignidade ao chegarem a qualquer um dos grupos religiosos e é nesse momento que readquirem uma identidade num novo grupo sem que lhes peçam nada em troca, sem cobranças ou condenações.
O contato físico sem preconceitos impressiona e valoriza os dependentes de drogas. É consenso entre eles valorizar este tipo de tratamento que os coloca no mesmo nível de quem os acolhe e ainda ouvem relatos de pessoas que como eles erraram e foram redimidos. No grupo dos evangélicos, pastores e obreiros elevam a auto-estima do recém-chegado falando sobre supos-tas qualidades que eles possuem e utilizando-se de argumentos que enfocam o plano de Deus na vida da pessoa. Para um excluído social, sem idéia de como se reintegrar, consola imensamente imaginar que é tão importante ao ponto de Deus ter feito um plano exclu-sivo para ele em sua vida. É daí que surge o interesse por seguir no grupo.
Os católicos professantes tradicionais (que não são da renovação carismática), assim como os espíritas, são menos acolhedores que os evangélicos e os caris-máticos. Porém, sempre há alguém que desenvolve o papel de monitor ou guia do novo membro tratando o recém-chegado com afeto e respeito, despertando nele a sensação de valorização pessoal e aumento da auto-es-tima. Os católicos propõem terapêutica menos radical, apontando futuros problemas pós-morte decorrentes do consumo de drogas e proteção às mazelas da vida, se os auxiliarem fazendo sua parte, ou seja, esforçando-se no afastamento das drogas e de posturas prejudiciais.
Dermatis et al observaram que a coesão nas comu-nidades terapêuticas e as amizades originárias desses grupos são importantes na recuperação de dependentes de drogas, que passam a integrar uma nova micro-so-ciedade, onde se sentem valorizados.
Adicionalmente, Galanter sugere que o acolhimento dos grupos religiosos impulsiona a continuidade do novo adepto, constituindo a primeira etapa para iden-tificação com a proposta do grupo e posterior aceitação da espiritualidade como recurso terapêutico. Tal suporte social foi indicado como um dos mecanismos que explicam as ações benéficas da religião na saúde, além da fé ou de características místicas desses gru-pos, gerando um ambiente de apoio incondicional ao recém-chegado.

CONCLUSÕES

A religião não apenas promove a abstinência do con-sumo de drogas, mas oferece recursos sociais de rees-truturação: nova rede de amizades, ocupação do tempo livre em trabalhos voluntários, atendimento “psicoló-gico” individualizado, valorização das potencialidades individuais, coesão do grupo, apoio incondicional dos líderes religiosos, sem julgamentos e, em especial entre evangélicos, a formação de uma “nova família”.
Parte considerável do sucesso dos “tratamentos” re-ligiosos está no acolhimento oferecido àqueles que buscam ajuda, no respeito que lhes é transmitido, auxiliando na recuperação da auto-estima e reinserção social por meio de novas atividades e vínculos sociais. Esta estrutura alicerça-se na fé religiosa, que promove o vínculo ao grupo por oferecer respostas religioso-filosóficas para as questões da vida.

REFERÊNCIAS

1. BARRETT ME, SIMPSON D, LEHMAN WE. Behavioral changes of adolescents in drug abuse intervention programs. J Clin Psychol. 1988;44(3):461-73.
2. BIERNARCKI P, WALDORF D. Snowball sampling-problems and techniques of chain referral sampling. Sociol Methods Res. 1981;10(2):141-63.
3. BLUM RW, HALCON L, BEUHRING T, PATE E, CAMPELL-FORRESTER S, VENEMA A. Adolescent health in the Caribbean: risk and protective factors. Am J Public Health. 2003;93(3):456-60.
4. CARLINI EA, GALDURÓZ JCF, NOTO AR, NAPPO AS. Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 107 maiores cidades do Brasil: 2001. São Paulo: CEBRID/SENAD; 2001.
5. CORUH B, AYELE H, PUGH M, MULLIGAN T. Does religious activity improve health outcomes? A critical review of recent literature. Explore (NY). 2005;1(3):186-91.
6. DALGALARRONDO P, SOLDERA MA, CORREA FILHO HR, SILVA CAM. Religião e uso de drogas por adolescentes. Rev Bras Psiquiatr. 2004;26(2):82-90.
7. DAY E, WILKES S, COPELLO A. Spirituality is not everyone’s cup of tea for treating addiction. BMJ.2003;326(7394):881.
8. DERMATIS H, SALKE M, GALANTER M, BUNT G. The role of social cohesion among residents in a therapeutic community. J Subst Abuse Treat. 2001;21(2):105-10.
9. GALANTER M. Healing through social and spiritual affiliation. Psychiatr Serv. 2002;53(9):1072-4.
10. GALANTER M. Spirituality and the health mind: science, therapy, and the need for personal meaning. New York: Oxford University Press; 2005.
11. GEORGE LK, ELLISON CG, LARSON DB. Explaining the relationship between religious involvement and health. Psychol Inq. 2002;13(3):190-200.
12. HODGE DR, CARDENAS P, MONTOYA H. Substances use: spirituality and religious participation as protective factors among rural youths. Soc Work Res. 2001;25(3):153-60.
13. JACOB CRD, HEES DR, WANIEZ P, BRUSTLEIN V. Atlas da filiação religiosa e indicadores sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Loyola, 2003.
14. MILLER L, DAVIES M, GREENWALD S. Religiosity and substance use and abuse among adolescents in the national comorbidity survey. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000;39(9):1190-7.
15. NEFF JA, SHORKEY CT, WINDSOR LC. Contrasting faith-based and traditional substance abuse treatment programs. J Subst Abuse Treat. 2006;30(1):49-61.
16. PARDINI DA, PLANTE TG, HERMAN A, STUMP JE. Religious faith and spirituality in substance abuse recovery: determining the mental health benefits. J Subst Abuse Treat. 2000;19(4):347-54.
17. PATTON MQ. Qualitative evaluation and research methods. London: Sage; 1990.
18. PULLEN L, MODRCIN-TALBOTT MA, WEST WR, MUENCHEN R. Spiritual high vs high on spirits: is religiosity related to adolescent alcohol and drug abuse?. J Psychiatr Ment Health Nurs. 1999;6(1):3-8.
19. RICHARD AJ, BELL DC, CARLSON JW. Individual religiosity, moral community, and drug user treatment. J Sci Study Relig. 2000;39(2):240-6.
20. SILVA LVER, MALBERGIER A, STEMPLIUK VA, ANDRADE AG. Fatores associados ao consumo de álcool e drogas entre estudantes universitários. Rev Saude Publica.2006;40(2):280-8.
21. SANCHEZ ZVM, OLIVEIRA LG, NAPPO SA. Fatores protetores de adolescentes contra o uso de drogas com ênfase na religiosidade. Cienc Saude Coletiva. 2004;9(1):43-55.
22. TAYLOR SJ, BODGAN R. Introduction to qualitative research methods. New York: John Wiley & Sons; 1998.
23. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Qualitative research for health programmes. Geneva: Division of Mental Health; 1994.

Fontes Adicionais:






CARACTERIZAÇÃO DA CULTURA DE CRACK NA CIDADE DE SÃO PAULO: PADRÃO DE USO CONTROLADO



Blog “Dependência e Co-dependência Química”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel. Disponível em http://dependenciaecodependenciaquimica.blogspot.com.br/

RESUMO

OBJETIVO: Caracterizar a situação do uso de crack na cidade de São Paulo, assim como o perfil sociodemográfico de seu usuário.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: Estudo qualitativo etnográfico com amostra intencional de usuários (n=45) e ex-usuários de crack (n=17). Os participantes foram recrutados pela técnica de amostragem em cadeias e responderam a uma entrevista semi-estruturada, direcionada por questionário, durante os anos de 2004 e 2005. O conjunto de cada questão e suas respectivas respostas originou relatórios específicos que foram interpretados individualmente.

ANÁLISE DOS RESULTADOS: O perfil predominante do usuário de crack foi ser homem, jovem, solteiro, de baixa classe socioeconômica, baixo nível de escolaridade e sem vínculos empregatícios formais. O padrão de uso mais freqüentemente citado foi o compulsivo, caracterizado pelo uso múltiplo de drogas e desenvolvimento de atividades ilícitas em troca de crack ou dinheiro. Entretanto, identificou-se o uso controlado que consiste no uso não-diário de crack, mediado por fatores individuais, desenvolvidos intuitivamente pelo usuário e semelhantes, em natureza, às estratégias adotadas por ex-usuários para o alcance do estado de abstinência.

CONCLUSÕES: A cultura do uso de crack tem sofrido mudanças quanto ao padrão de uso. Embora a maioria dos usuários o faça de forma compulsiva, observou-se a existência do uso controlado, que merece maior detalhamento, principalmente quanto às estratégias adotadas para seu alcance.

DESCRITORES: Cocaína Crack. Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias, prevenção e controle. Fatores Socioeconômicos. Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde. Pesquisa Qualitativa. O perfil do usuário de crack, descrito pela primeira vez por Nappo et al, foi identifi-cado como homem, jovem, de baixa escolaridade e sem vínculos empregatícios formais. Em função dos efeitos do crack, era raro que os usuários consumissem-no uma única vez, prolongando o uso até que se esgotassem física, psíquica ou financeiramente. Em consonância com a realidade norte-americana, o pensamento dos usuários foca-se no consumo de crack de forma que sono, alimentação, afeto, senso de responsabilidade e sobrevivência perdem o significado. Em artigo de Nappo et al, observou-se que em função da sensação de urgência pela droga e na falta de condições financei-ras, o usuário via-se forçado a participar de atividades ilícitas (tráfico, roubos e assaltos). Tal situação piorou com a inclusão das mulheres na cultura aque, ao troca-rem sexo por crack ou dinheiro, submetiam-se ao risco

INTRODUÇÃO

Consideradas em conjunto, tais atitudes têm interferido negativamente sobre a saúde e funcionamento social do usuário de crack de forma a marginalizá-lo, tanto no contexto micro (como nas redes de uso) quanto macrossocial (comunidades e sistemas de serviço). Embora a situação seja alarmante, nos Estados Unidos tem-se identificado a existência do uso controlado de crack, caracterizado como um consumo a longo-prazo, não-diário e racional, em que o usuário, por meio de estratégias de autocontrole, não tem permitido que a necessidade pela droga governe sua vida. No Brasil, em princípio, esse uso controlado não havia sido detectado entre os usuários de crack. O uso de crack persiste em território brasileiro, apesar dos graves problemas que causa a quem consome, como marginalidade, cri-minalidade e efeitos físicos e psíquicos devastadores.
Desta forma, suspeita-se que a cultura de uso tenha so-frido mudanças desde sua primeira descrição, realizada na cidade de São Paulo, há 11 anos. Assim, em linhas gerais, o objetivo do presente estudo foi caracterizar a situação do uso de crack na cidade de São Paulo, assim como o perfil sociodemográfico de seu usuário.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Em abordagem qualitativa, o fenômeno (objeto de investigação) é identificado a partir dos valores, cren-ças e representações do indivíduo ou do grupo que os detenha,logo, a amostra intencional foi composta por casos ricos em informação, ou seja, usuários e ex-usuários de crack, de ambos os sexos e de idade supe-rior a 18 anos.
Considerou-se ex-usuário ou usuário o indivíduo que tivesse consumido crack por pelo menos 25 vezes na vida, evitando-se a inclusão de iniciantes. O ex-usuário deveria estar abstinente por período de, no mínimo, seis meses antes da seleção. Foram selecionados 65 sujeitos, sendo 48 usuários (U) e 17 ex-usuários (E). Do total, três dos usuários foram excluídos, por desistência, totalizando 62 depoimen-tos. A amostra procurou incluir todos os perfis que satisfizessem aos critérios pré-estabelecidos, até que as informações atingiram o ponto de saturação teórica, momento em que a seleção foi interrompida.22,23
A coleta de dados deu-se de meados de 2004 a início de 2005. A seleção da amostra foi mediada por informan-tes-chave, especialistas que facilitaram a aproximação dos investigadores à população-alvo e forneceram sub-sídios à elaboração do questionário de entrevista.
Em seguida, os investigados foram recrutados pela técnica de amostragem por cadeias, com ênfase à bola de neve, construindo 15 cadeias de participantes. A maioria das cadeias foi constituída dentro da comunidade e poucas partiram de centros de tratamento ou outros programas de intervenção. O principal instrumento de coleta foi a entrevista semi-estruturada, em profundidade, direcionada por questionário. Algumas perguntas foram previamente padronizadas para permitir a comparabilidade de res-postas entre os sujeitos, enquanto outras foram apro-fundadas ou inseridas durante a entrevista.
Tendo em vista que o foco do trabalho foi caracterizar o consumo de crack como um todo, assim como o perfil de seu usuário, o roteiro de entrevista abordou os seguintes tópicos: perfil sociodemográfico do usuário, forma e padrão de uso (em termos de freqüência e quantidade), efeitos (positivos e negativos), associação de crack a outras classes de drogas, atividades desenvolvidas pelo usuário sob a necessidade de crack e conseqüências de vida decorrentes de seu consumo. Após transcrição, cada entrevista foi identificada com código alfanumérico significando, pela ordem: inicial do nome do entrevistado; idade do entrevistado; inicial do sexo do entrevistado; situação do uso de crack no momento da entrevista, ou seja, se usuário (U) ou ex-usuário (E). Foi criado programa específico para a tabulação dos dados, de tal forma que o conjunto de cada questão e suas respectivas respostas originou relatórios específicos, individualmente avaliados e interpretados.
As entrevistas, anônimas e com duração média de 88 min, foram gravadas com a concordância prévia do entrevistado, após a leitura e aceitação do termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo foi aprova-do pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo/Hospital São Paulo.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

A maioria da amostra foi constituída por homens. Em sua maioria, os participantes eram jovens, solteiros(as), de baixo nível socioeconômico e de escolaridade, sem vínculos empregatícios formais, tal como as primeiras descrições da cultura realizadas há quase 11 anos. Quase todos os entrevistados iniciaram o uso de drogas com álcool e tabaco, tendo relatado o uso recreacional (na vida) de até 14 substâncias diferentes. Em função de seu alto poder indutor de dependência, entre tais substâncias, o crack foi eleito como a droga de pre-ferência.
Quase todos os entrevistados afirmaram que, dentre as vias de administração da cocaína, os efeitos de crack são os de início mais rápido, mais breves e mais intensos, dados condizentes com as diferenças farmacocinéticas entre tais vias. “Porque ela não é uma droga que te deixa louco por horas, é pá e puf, é uma droga que você deu uma pau-lada ali e é por minutos (...)” (N19MU).
Os entrevistados sugeriram a divisão dos efeitos de crack em duas categorias: psíquicos e físicos. Os psíquicos aconteceriam em duas etapas distintas e sempre na mesma ordem, ou seja, primeiramente os efeitos positivos (de prazer) sucedidos pelos negativos (desagradáveis), em conformidade ao já descrito por Nappo et al.17: “Parecia que eu estava pisando nas nuvens ao lado de Deus. Imagina a situação, usando droga ao lado de Deus. Parecia o paraíso, que estava tudo bem, que não existia problemas (...)” (F17FE).
Os efeitos ditos negativos (alucinações; delírios; fissura – desejo incontrolável de repetir o uso; sensação de de-pressão e arrependimento) são comumente associados a sensações de perseguição (paranóia), despertando intenso medo e angústia no usuário e estimulando-lhe a adoção de comportamentos repetidos e atípicos que aliviem essa condição: abrir e fechar portas e janelas; apagar e acender luzes; buscar incessantemente por restos de crack que possam ter caído no ambiente de uso; entre outros.
Além dos efeitos psíquicos, foram relatados efeitos físicos, que podem ser subdivididos em motores e viscerais. Os efeitos motores consistem em contrações musculares involuntárias, principalmente da face que, acompanhadas por intensa protrusão do globo ocular garantem marcante expressão de pânico ao usuário de crack, conforme já citado por Siegel, servindo-lhe como potente identificador social.
“Era incrível, antes de queimar a primeira pedra, eu falava assim ‘vamos dar o último sorriso porque aca-baram os sorrisos’, a transformação da fisionomia era incrível, tudo se transformava (...)” (J30MU). As respostas viscerais foram relatadas como manifes-tações involuntárias do sistema gastrointestinal, media-das por episódios de flatulência, diarréias e vômitos, despertadas prontamente com a simples recordação do crack ou do momento de seu uso. “Só de pensar já dá dor de barriga, ânsia de vômito (...) já cheguei a buscar a droga vomitando (...) de tão desesperado pra fumar, perceber que eu tinha evacuado nas calças (...)” (A28MU)
Diferentemente dos estudos anteriores que enfatiza-vam o padrão compulsivo como a única modalidade de uso, o presente trabalho sugere a existência do padrão controlado. Caracterizado como o uso racional e não-diário de crack, tem gerado implicações individuais e sociais menos severas, amenizando o estereótipo ante-riormente associado ao usuário de crack, reconhecido como alguém irresponsável, improdutivo e agressivo.
Dentre os padrões de consumo identificados, o uso compulsivo ainda foi o mais freqüente, consistindo no consumo diário de crack e podendo estender-se a até nove dias contínuos. Geralmente, esse uso só finalizava quando o usuário atingia o esgotamento físico, psíquico ou financeiro, corroborando estudos anteriores. “Eu nem cheguei a contar os dias porque era cons-tante (...) muitas vezes emendava o dia e a noite (...)” (M39ME).
Produto da busca incessante pelos efeitos positivos, o uso compulsivo de crack caracterizou-se pelo uso múltiplo de drogas e realização de atividades ilícitas na falta de recursos financeiros à aquisição de crack, situação que tem contribuído negativamente à condição já socialmente marginal do usuário.

Atividades ilícitas

Como a fissura gerava uma sensação de urgência por crack, o usuário esgotava rapidamente seus recursos financeiros, vendo-se obrigado a realizar atividades fora do mercado legal de trabalho, comprometendo sua liberdade e integridade física. Os entrevistados relataram a realização de inúmeras atividades ilícitas, a citar: prostituição, tráfico, roubos, seqüestros, venda de pertences próprios e familiares e golpes financeiros de naturezas diversas, nos mesmos moldes que têm sido relatados à cultura de crack norte-americana.
Por já apresentar inovações quanto à forma de execução e pelos riscos associados, no presente manuscrito deta-lhou-se apenas a atividade de prostituição.
Metade das mulheres entrevistadas relatou já ter se prostituído em troca de crack. Embora essa atividade já tivesse sido sugerida nos momentos iniciais do apareci-mento da cultura de crack na cidade de São Paulo, algumas mudanças têm sido observadas. Atualmente, tem-se identificado a prostituição compulsória, em que homens “emprestam” suas esposas a traficantes ou a outros usuários em troca de crack, de tal forma que o período e o número de pedras são combinados no momento da negociação.
“Eu já vi o cara trocar mulher por crack, o cara falava ‘você fica uma noite com ela e me dá uma quota’ e ela aceitar e ficar com o cara, era só dar uma quota e a mulher ficava lá (...)” (L39ME). Além das novas modalidades de prostituição, a ativi-dade tem deixado de ser de exclusividade feminina. Os homens entrevistados que já trocaram sexo por crack não se declararam homossexuais, mas quase todos praticavam-na com outros homens. “Eu estava na rua, de madrugada, louco pra usar crack e aparecia um cara ‘oh, gatinho, vem aqui que eu quero te chupar’, se tem dinheiro, então demorou (...)” (R24MU). Entre os homens, a recompensa era frequentemente feita por dinheiro, mas era possível a troca de sexo diretamente por crack, principalmente entre colegas de consumo. Não havia um valor fixo para o programa e tampouco pontos de prostituição.
A prática de sexo oral foi a mais comum, tendo em vista que segundo os entrevistados, era a modalidade sexual que menos comprometeria sua sexualidade. Nos Estados Unidos, a prostituição feminina já foi extensamente relatada e a masculina tem sido recentemente identificada.
Maranda et al sugerem diferentes etiologias para as duas prostituições, ou seja, enquanto a feminina seria produto exclusivo da fissura por crack, a masculina pa-rece ser o produto combinado da fissura ao aumento da libido sexual induzido por crack, distinção que merece detalhamento em estudos futuros.

Combinação de drogas

O uso múltiplo de drogas é outra característica mar-cante do atual padrão compulsivo de uso, substituindo paulatinamente o uso exclusivo, relatado na primeira descrição da cultura de crack na cidade de São Paulo. Embora presente na literatura, as motivações subjacentes ao uso múltiplo de drogas sempre per-maneceram pouco esclarecidas. Assim, conforme os entrevistados do presente estudo, o uso múltiplo sur-giria como a possibilidade de manipular a intensidade ou a duração dos efeitos de crack, seja como paliativo aos efeitos negativos ou com fins de intensificar ou prolongar os efeitos positivos. As drogas associadas mais freqüentemente citadas foram: álcool, maconha e cloridrato de cocaína.
O álcool tem sido empregado como paliativo aos efeitos negativos de crack,como ilustrado pela fala a seguir: “(...) a bebida me acalma, pra eu não pensar mais em fumar eu vou no bar e tomo uma cerveja (...) se eu não bebo me dá um nervoso, eu ando a cidade todinha até encontrar um lugar pra eu tomar uma (...)” (J39MU). Conforme os entrevistados, o consumo de álcool criava ciclos de uso álcool-crack, de forma que uma droga pas-sava a estimular o uso da outra e vice-versa.
Quanto à ordem de administração, todos os entrevistados re-lataram ingerir álcool após crack, ordem que, segundo Gossop et al, diminui os benefícios da associação, pois os efeitos vasoconstritores da cocaína diminuiriam a absorção do álcool. Em linhas gerais, as ações do álcool parecem ser mediadas pela formação do cocaetileno, metabótito da cocaína formado na presença de álcool que, de meia-vida maior e de efeitos semelhantes à co-caína, aumentaria o período de intoxicação, colocando a saúde do usuário sob maiores riscos.
A maconha, de acordo com os entrevistados, era usada como paliativo aos efeitos negativos de crack. Base-ado em tal efeito, Labigalini Jr. et al apontaram a ado-ção da maconha como importante estratégia à redução dos danos associados ao uso crônico de crack de forma a diminuir a fissura e os demais sintomas associados à síndrome de sua abstinência, o que possibilitaria, em longo prazo, a reintegração sócio-laboral do usuário. “(...) eu gasto meus 10, 20 contos em crack e depois fumo um baseado pra baixar a brisa (...) até porque depois você vai dar uma desacelerada pra chegar em casa com uma cara boa (...)” (JL27MU).
Embora não interfira sobre a intensidade dos efeitos positivos, a maconha parece prolongar sua duração, seja administrada simultaneamente (como mesclado) ou após crack (na forma de baseado). “(...) com maconha prolonga mais, se antes era 5 mi-nutos, com maconha passa a ser 10 e você fica mais louco (...)” (F26MU)
O uso combinado com o cloridrato de cocaína (via aspirada) aumenta a intensidade e duração dos efeitos positivos, além de atuar como paliativo dos efeitos negativos. Seu emprego por usuários de crack é tão intenso que, conforme Gossop et al, chegaria a ul-trapassar em freqüência o uso realizado por usuários exclusivos de cloridrato de cocaína. “Eu usava bastante crack e quando acabava ficava com aquela fissura e a cocaína dá uma baixada nisso, senão você acaba fazendo besteira (...)” (M22MU).
Outras drogas foram empregadas em combinação ao crack para intensificar seus efeitos positivos (como a triexifenidila – TEF) ou como paliativo aos efei-tos negativos (e.g., benzodiazepínicos e inalantes). A triexifenidila (TEF), substância anticolinérgica sintética, é medicamento empregado no tratamento sintomático da moléstia de Parkinson e no controle dos sintomas extrapiramidais secundários ao uso de drogas neurolépticas. A TEF tem ação sobre o sistema nervoso central, possibilitando efeitos psíquicos de importância como euforia e intensificação das sensações físicas, seja audição, visão ou tato e já constam relatos sobre seu uso recreativo entre usuários de crack.
Poucos entrevistados relataram o uso exclusivo de crack, forma de consumo mais prevalente na época da primeira descrição da cultura na cidade, resultante, principalmente, da apreciação das sensações isoladas de crack. De baixa prevalência, as motivações do uso exclusivo, além da anteriormente mencionada, esten-dem-se à descrença de que outras drogas pudessem, de alguma maneira, potencializar ou amenizar os efeitos de crack e em virtude do desconhecimento e/ou temor das conseqüências decorrentes de uma possível associação.
“(...) você não consegue associar crack a nada, é só ele (...) ele te derruba e te leva para o fundo do poço, mas é ele, não há outra droga junto (...)” (V45ME). No que concerne às drogas lícitas (álcool e cigarro), os entrevistados relataram o aumento de sua freqüência e quantidade de uso depois de empregadas como drogas associadas, podendo, em longo prazo substituir o crack como droga de preferência.
“Não usava álcool antes, hoje não sei sair lá do Butantã e vir até o Hospital São Paulo sem parar no bar e tomar uma cerveja.” (R24MU). Em contrapartida, o uso de outras drogas ilícitas di-minuiu após iniciado o uso de crack, principalmente maconha e cloridrato de cocaína (via aspirada), embora fossem empregadas como drogas associadas. Assim, na falta de recursos financeiros para aquisição de outras drogas, tornou-se clara a preferência por crack:
“(...) o crack me levou a usar cada vez mais ele, mas foi inibindo as outras drogas (...) se eu tenho dinheiro pra comprar crack porque eu vou comprar cocaína se o crack me deixa mais louco?” (E23ME)

Uso controlado

Embora o padrão compulsivo ainda seja o mais comum, tem sido identificado o uso controlado de crack, em semelhança ao já descrito nos Estados Unidos. Embora já observado entre usuários de cloridrato de cocaína (via aspirada),na cidade de São Paulo, usuários de crack não conseguiam manter o controle sobre o uso, principal-mente em decorrência da fissura a ele associada.
O padrão controlado foi caracterizado pelo uso não-diário de crack e comumente conciliado às atividades sociais pré-existentes (no que se refere à família, ati-vidades escolares e trabalho), protegendo o usuário da marginalização. “Acordava cedo todos os dias, ia trabalhar normalmente, corria aos finais de semana, ia no baile com minha namorada, quer dizer, eu tinha outras coisas pra ocupar minha cabeça, então sobrava pouco tempo pra pensar em crack (...)” (JL27MU).
A prática de atividades ilícitas não foi mencionada por usuários controlados, permitindo-lhes conservar algum senso de ordem em suas vidas, de tal forma que se manifestaram contra os fatores farmacológicos e fisiológicos típicos à dependência de crack. “Sujo, cobertor nas costas, descalço (...) eu falei não, pelo amor de Deus, isso eu não quero. Jamais vou vender minhas coisas, tirar alguma coisa de mim pra fumar (...)” (A30MU).
O consumo controlado foi usualmente identificado entre usuários que já houvessem passado pela fase compul-siva de uso de crack. A transição da fase compulsiva à controlada ocorreu depois de anos de consumo, no momento em que o indivíduo conscientizou-se das im-plicações e concessões feitas em favor da continuidade do uso de crack. O fato de acreditarem não ter mais estrutura física, psíquica ou moral para lidarem com as conseqüências decorrentes do próprio consumo, assim como a observação da vida desastrosa de colegas de uso, foram os principais motivos para o “despertar” do indivíduo à vida, dirigindo-se ao uso controlado ou até mesmo à abstinência.
“(...) o tesão que o crack dá, não tem igual. Eu lamento não poder, quer dizer, poder eu posso, só que tenho que arcar com as consequências e não estou mais disposto a isso (...) uma vez basta, errar duas vezes é burrice (...)” (R24MU). O relato de usuários compulsivos sobre o conhecimento de usuários de crack que mantinham controle sobre a droga reforçou a existência sobre o uso controlado. “Tem um amigo meu que faz uso recreativo, não tem problema nenhum, talvez por meia hora fique aquele viciado tremendo, mas depois volta ao normal (...)” (P29FU).
Embora uma minoria dos entrevistados tenha reduzido a freqüência e quantidade de uso por intermédio de métodos de intervenção externos (e.g. tratamento re-ligioso, medicamentoso ou psicoterápico), os demais alcançaram o padrão controlado com estratégias de autocontrole ou auto-regulação, individual e intuitiva-mente desenvolvidas. Ou seja, consistem em estratégias individuais, fatores de proteção internos desenvolvidos pelo próprio usuário ao se basear nas suas próprias crenças e valores. Assim, acredita-se que tais estratégias possam ser eficientemente incorporadas a programas de redução de danos, minimizando as implicações de vida associadas ao uso compulsivo.
Com efeito, o uso dessas estratégias também foi relata-do por ex-usuários, à época de consumo, consistindo em um possível meio de alcance do estado de abstinência e, portanto, em uma relevante ferramenta para programas de intervenção terapêutica. Dentre as estratégias adotadas, foram mencionadas:

1. substituição da pedra de crack por formas “mais leves” de consumo (e.g. pitilho ou mesclado – crack com tabaco e maconha, respectivamente) ou pelo uso de outras substâncias psicotrópicas. “Eu estava ficando muito magro, aí passei a usar duas ou três vezes por semana, mas pra controlar eu compensava com bebida (...)” (M22MU);

2. Afastamento do contexto social de crack. Trata-se de uma eficiente estratégia intuitiva, pois um dos motivos que levam à recaída de uso são as “pistas ambientais” a ele associadas, como o local e amigos de consumo. “(...) porque eu não passo por lugares onde eu passava, eu evito as pessoas que fazem o uso (...)” (P30MU);

3. Reprogramação de pensamentos e comportamentos, especialmente nos momentos de ócio. “Agora o crack está tomando um espaço menor na minha vida, consigo ter momentos de lazer, voltei a ter contato com o pessoal do skate e agora também estou com uma namoradinha (...)” (A28MU);

4. Diminuição do emprego das drogas sabidamente interferentes sobre os efeitos e/ou freqüência e quantidade de uso de crack, passo que parece ser subseqüente à estratégia 1 no processo de alcance do uso controlado. “Foi aí que eu diminuí o álcool porque ele dá aque-la ansiedade de mexer com crack. E se você não beber, não fica transtornado, com aquela vontade (...)” (J41MU). Embora algumas das estratégias ao alcance do uso controlado pareçam contraditórias, principalmente no que se refere aos itens 1 e 4 (por estimularem e redu-zirem, respectivamente, o uso de outras substâncias interferentes sobre o uso de crack, como o álcool), são necessários estudos que as descrevam em profundidade e identifiquem uma possível ordem cronológica entre elas, categorizando-as como passos de um amplo pro-cesso de recuperação.

CONCLUSÕES

Na cidade de São Paulo, a cultura de uso de crack tem sofrido consideráveis mudanças ao longo desses 11 anos após sua primeira descrição. O perfil socio-demográfico do usuário é praticamente o mesmo e o uso compulsivo é ainda majoritário, com importante comprometimento físico, moral e social do usuário. O uso exclusivo tem sido paulatinamente substituído pela associação do crack a outras drogas, caracterizando o usuário, da cidade de São Paulo, como um politoxicô-mano.
Inicialmente empregado para modular os efeitos positivos e negativos de crack, o uso múltiplo de drogas tem adicionado multi-dependências e co-morbidades ao quadro psiquiátrico já existente. Além de dificultar a identificação da severidade do uso de crack, o uso múltiplo de drogas dificulta a adesão do paciente a possíveis intervenções terapêuticas e seu sucesso.
Em paralelo, a sensação de urgência por crack tem incentivado o usuário à realização de atividades ilícitas, intensificando o processo de marginalização social e os riscos à sua liberdade e integridade física, psíquica e moral. Destaca-se a prostituição que, uma vez estendida aos homens, predispõe a cultura a riscos importantes.
Consideradas em conjunto, as implicações associadas ao uso de crack consistem em importante problema à saúde pública, sendo necessário o desenvolvimento de programas de intervenção e políticas públicas ao seu controle. Em contrapartida, o presente trabalho já indica a existência do uso controlado de crack, com características distintas do uso compulsivo. Trata-se do uso mais racional de crack com menores implicações individuais e sociais. As estratégias intuitivamente desenvolvidas semelhantes às medidas adotadas por ex-usuários para alcançar o estado de abstinência, consistem em importantes alternativas à redução de danos e, até mesmo, interrupção do uso.
Em linhas gerais, ressalta-se que a informação para redução de danos ou abstinência pode advir do próprio usuário de crack, detentor do conhecimento, apontando a necessidade de estudos detalhados a respeito.

REFERÊNCIAS

1. BIERNACKI P, WALDORF D. Snowball sampling-problems and techniques of chain referral sampling. Sociol Methods Res.1981;10(2):141-63.
2. CHASIN AAM, MÍDIO AF. Exposição humana à cocaína e ao cocaetileno: disposição e parâmetros toxicocinéticos. Rev Farm Bioquim Univ São Paulo.1997;33(1):1-12.
3. CHEN CY, ANTHONY JC. Epidemiological estimates of risk in the process of becoming dependent upon cocaine: cocaine hydrochloride powder versus crack cocaine. Psychopharmacology (Berl).2004;172(1):78-86. doi:10.1007/s00213-003-1624-6
4. CLATTS MC, WELLE DL, GOLDSAMT LA, LANKENAU SE. An ethno-epidemiological model for the study of trends in illicit drug use: reflections on the “emergence” of crack injection. Int J Drug Pol.2002;13(4)285-96. doi:10.1016/S0955-3959(02)00123-8
5. CRESWELL JW. Qualitative inquiry and research design: choosing among five traditions. Thousand Oaks: Sage Publications; 1998.
6. CROSS JC, JOHNSON BD, DAVIS WR, LIBERTY HJ. Supporting the habit: income generation activities of frequent crack users compared with frequent users of other hard drugs. Drug Alcohol Depend.2001;64(2)191-201. doi:10.1016/S0376-8716(01)00121-1
7. DUNN J, LARANJEIRA RR, SILVEIRA DX, FORMIGONI ML, FERRI CP. Crack cocaine: an increase in the use among patient attending clinics in São Paulo 1990-1993. Subst use Misuse.1996;31(4):519-27. doi:10.3109/10826089609045824
8. GERMAN D, STERK CE. Looking beyond stereotypes: exploring variations among crack smokers. J Psychoactive Drugs.2002;34(4):383-92.
9. GOSSOP M, MANNING V, RIDGE G. Concurrent use of alcohol and cocaine: differences in patterns of use and problems among users of crack cocaine and cocaine powder. Alcohol Alcohol.2006;41(2):121-25. doi:10.1093/alcalc/agh260
10. HATSUKAMI DK, FISCHMAN MW. Crack cocaine and cocaine hydrochloride. Are the differences myth or reality? JAMA.1996;276(19):1580-8. doi:10.1001/jama.276.19.1580
11. INCIARDI JA, LOCKWOOD D, POTTIEGER AE. Women and crack-cocaine. New York: Macmillan Publishing Company; 1993.
12. INCIARDI JA, SURRATT HL. Drug use, street crime and sex-trading among cocaine-dependent women: implications for public health and criminal justice policy. J Psychoactive Drugs. 2001;33(4):379-89.
13. LABIGALINI JR E, RODRIGUES LR, SILVEIRA DX. J Psychoactive Drugs.1999;31(4):451-5.
14. MAGURA S, ROSENBLUM A. Modulating effect of alcohol use on cocaine use. Addict Behav.2000;25(1):177-22. doi:10.1016/S0306-4603(98)00128-2
15. MARANDA MJ, HAN C, RAINONE GA. Crack cocaine and sex. J Psychoactive Drugs. 2004;36(3):315-22.
16. MINAYO MCS. O desafio do conhecimento científico: pesquisa qualitativa em saúde. Rio de Janeiro: Hucitec; 1994.
17. NAPPO SA, GALDURÓZ JC, NOTO AR. Crack use in São Paulo. Subst Use Misuse.1996;31(5):565-79. doi:10.3109/10826089609045827
18. NAPPO SA, GALDURÓZ JC, RAYMUNDO M, CARLINI EA. Changes in cocaine use as viewed by key informants: a qualitative study carried out in 1994 and 1999 in São Paulo, Brazil. J Psychoactive Drugs.1999;33(3):241-53.
19. PENNINGS EJ, LECCESE AP, WOLFF FA. Effects of concurrent use of alcohol and cocaine. Addiction. 2002;97(7):773-83. doi:10.1046/j.1360-0443.2002.00158.x
20. SIEGEL RK. Cocaine smoking. J Psychoactive Drugs.1982;14(4):271-359.
21. SIEGEL RK. New patterns of cocaine use: changing doses and routes. In: Kozel, N, Adams EH, editors. Cocaine use in America: epidemiologic and clinical perspective. Rockville: National Institute on Drug Abuse; 1985.
22. VICTORA CG, KNAUTH DR, HASSEN MNA. Pesquisa qualitativa em saúde: uma introdução ao tema. Porto Alegre: Tomo Editorial; 2000.
23. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Qualitative Research for health programmes. Geneva; 1994.

Fontes Adicionais: