Blog “Dependência e
Co-dependência Química”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel. Disponível em
http://dependenciaecodependenciaquimica.blogspot.com.br/
RESUMO
OBJETIVO: Analisar
intervenções religiosas emergentes para recuperação da dependência de drogas.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: Estudo
qualitativo exploratório realizado em São Paulo, SP, em 2004 e 2005. Foram conduzidas
85 entrevistas em profundidade com ex-usuários de drogas que haviam utilizado
recursos religiosos não-médicos para tratar a dependência de drogas e estavam
abstinentes há pelo menos seis meses. Os grupos religiosos analisados foram
católicos, evangélicos e espíritas. As entrevistas continham questões sobre
dados sociodemográficos, religiosidade do entrevistado, história do consumo de
drogas, tratamentos médicos para dependência de drogas, tratamento religioso e
prevenção ao consumo de drogas pela religião.
ANÁLISE DOS RESULTADOS: Houve diferenças
no suporte ao dependente de drogas em cada grupo. Os evangélicos foram os que
mais utilizaram a religião como forma exclusiva de tratamento, apresentando
repulsa ao papel do médico e a qualquer tipo de tratamento farmacológico. Os
espíritas foram os que buscaram mais apoio terapêutico à dependência de álcool,
simultaneamente ao tratamento convencional, justificado pelo maior poder
aquisitivo. Os católicos utilizaram mais a terapêutica religiosa exclusiva, mas
relataram menos repulsa a um possível tratamento médico. A importância dada à
oração como método ansiolítico era comum entre os três tratamentos. A confissão
e o perdão – por meio da conversão (fé) ou das penitências, respectivamente
para evangélicos e católicos – exercem apelo à reestruturação da vida e aumento
da auto-estima.
CONCLUSÕES: Segundo os
entrevistados, o que os manteve na abstinência do consumo de drogas foi mais do
que a fé religiosa. Contribuíram para isso o suporte, a pressão positiva e o
acolhimento recebido no grupo, e a oferta de reestruturação da vida com o apoio
incondicional dos líderes religiosos.
DESCRITORES: Religião e
Medicina. Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias, prevenção &
controle. Reabilitação. Relações Interpessoais. Pesquisa Qualitativa. Estudos
quantitativos epidemiológicos associam a religiosidade a menor consumo de
drogas e a melhores índices de recuperação para pacientes em tratamento médico
para dependência de drogas. A religiosidade atua como protetora ao consumo de drogas
entre pessoas que freqüentam a igreja regularmente, praticam os preceitos da
religião professada, crêem na importância da religião em suas vidas ou tiveram
educação religiosa formal na infância.
Estudo qualitativo no Brasil identificou
que a maior diferença entre adolescentes usuários e não-usuários de drogas
psicotrópicas, de classe socioeconômica baixa, era a sua religiosidade e a de
sua família. Observou-se que 81% dos não-usuários praticavam a religião
professada por vontade própria e admiração e que apenas
INTRODUÇÃO
Mediante o estudo realizado,
constatou-se que 13% dos usuários de drogas faziam o mesmo. Outro estudo com
estudantes universitários em São Paulo observou-se que alunos com renda
familiar alta e sem religião (não professa nenhuma) encontravam-se em maior
risco para o consumo de drogas. Detectou-se ainda a ausência de bebedores
excessivos entre espíritas e protestantes que professam suas religiões.
Sugere-se que a religiosidade,
independentemente da religião professada, facilita a recuperação da dependência
de drogas e diminui os índices de recaída de pacientes.Richard et al19 (2000)
afirmam que a ida aos cultos e missas contribui para diminuição do consumo de
drogas, como a cocaína, sem que haja necessariamente, um tratamento formal
nesses locais.
Alguns autores sugerem que a
religiosidade pode auxiliar no processo de recuperação de dependentes de drogas
pelas seguintes vias: aumentos do otimismo, percepção do suporte social,
resiliência, ao estresse e diminuição dos níveis de ansiedade. Para Barret et
al este mecanismo estaria muito mais relacionado a questões sociais, como a
re-socialização do jovem por meio de reestruturação da rede de amigos,
colocando-os em um ambiente sem oferta de drogas.
Pardini et al ressaltam que enquanto há
poucas pesquisas científicas analisando o impacto e mecanismo da religiosidade
no tratamento de dependentes de droga, muitos investigadores teorizam tais
fatores. As conclusões, em geral, são pautadas em suas crenças e resultados quantitativos
indiretos desses estudos. Desta forma, esses autores sugerem pesquisas
qualitativas que permitam a compreensão do fenômeno em suas múltiplas
dimensões.
Há indícios, em especial nos meios
midiáticos, da atuação emergente de grupos religiosos brasileiros na
recuperação de dependentes de drogas, utilizando-se apenas da fé de seus fiéis
como recurso terapêutico, sem intervenção médica, no próprio “templo”
religioso. O objetivo do presente estudo foi analisar intervenções religiosas
na recuperação da dependência de drogas.
PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS
Foram escolhidas as religiões católica,
evangélica (protestante) e espírita (kardecista) devido seu impacto e a
totalidade de seus adeptos no País, representando 95% da população brasileira
que professa alguma religião (IBGE, 2000). Foi realizado estudo qualitativo
exploratório com observação participante entre 2004 e 2005, durante 17 meses,
em 21 instituições religiosas da cidade de São Paulo, onde os rituais puderam
ser vivenciados. Participaram das entrevistas em profundidade pessoas que
haviam se submetido a um “tratamento” religioso para dependência de drogas e
que estivessem abstinentes por no mínimo seis meses.
Para a obtenção da amostra foram
entrevistados dez informantes-chave, que facilitaram a aproximação com a
população-alvo e forneceram subsídios para a elaboração do questionário. Os
informantes-chave consistiram em: quatro representantes evangélicos das
denominações históricas, pentecostais e neopentecostais; três dirigentes de
grupos espíritas, responsáveis pela área de assistência espiritual de centros
espíritas e três representantes católicos da igreja tradicional.
Os investigados foram recrutados por
meio da técnica de “bola de neve”, caracterizada por sucessivas indicações de
informantes. Foram investigadas oito cadeias no meio evangélico, sete no
espírita e cinco no católico. O tamanho da amostra (N=85) foi suficiente para
garantir a inclusão de todos os perfis a serem analisados, quando os relatos
chegaram à redundância, atingindo o ponto de saturação teórica. Foram
realizadas entrevistas semi-estruturadas a partir de questionário com perguntas
previamente padronizadas e outras desenvolvidas ao longo do diálogo.
O questionário foi aplicado aos três
grupos e no momento da entrevista foram feitos ajustes de acordo com as
peculiaridades de cada grupo. O instrumento foi elaborado com sete tópicos
centrais divididos em 46 perguntas: dados sociodemográficos, religiosidade do
entrevistado, história do consumo de drogas, tratamentos médicos para
dependência de drogas, tratamento religioso, prevenção ao consumo de drogas
pela religião. A classe socioeconômica foi avaliada pela escala Critério de
Classificação Econômica Brasil (CCEB).
As entrevistas tiveram duração média de
90 min, foram anônimas e gravadas com a concordância prévia do entrevistado,
após leitura do termo de consentimento livre e esclarecido. Após transcrição,
cada entrevista foi identificada com código alfanumérico composto pela inicial
do nome do entrevistado, idade, inicial do sexo (F ou M) e uma letra
correspondente ao grupo religioso: católicos (C), espíritas (E) e evangélicos
(P). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade
Federal de São Paulo.
ANÁLISE
DOS RESULTADOS
No total foram entrevistados 69 homens
(81%) e 16 mulheres (19%). Houve predomínio de homens nos três grupos, o que
está em acordo com maior número de homens consumidores de drogas no Brasil. Evangélicos
apresentaram em média 35 anos de idade, católicos 36,3 anos e espíritas 48,1
anos. Quanto a classe social e escolaridade, os três grupos entrevistados
seguiram o perfil descrito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) no último censo demográfico.
Os evangélicos apresentaram as menores
rendas; os católicos, média similar à da população brasileira e espíritas com
as maiores rendas. O índice de desemprego foi em torno de 10% entre espíritas e
católicos e 20% entre evangélicos. Nenhum evangélico apresentou nível superior
de estudo, enquanto os espíritas apresentaram três vezes mais entrevistados com
nível superior que os católicos (três entrevistados no grupo católico e nove no
espírita).
Religiosidade na infância e adolescência
Embora a maioria dos entrevistados fosse
proveniente de famílias católicas, eles não professavam a religião. Não houve
relatos de relevância prévia dada à religião, porém, todos os entrevistados
relataram que acreditavam em Deus quando resolveram buscar uma possível ajuda
“Dele”.
Dependência de drogas
Por meio de aplicação das questões do
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV) para diagnóstico
de dependência, observou-se que todos buscaram a ajuda religiosa quando
dependentes de alguma droga psicotrópica. Houve diferenças entre tipos de droga
e grupos religiosos procurados. Todos evangélicos relataram consumo de drogas
ilícitas alguma vez na vida, mesmo que experimental, com os maiores índices de
dependência para cocaína e crack no momento de busca da religião. O critério
diagnóstico mais citado foi o consumo persistente da droga, e problemas legais
decorrentes do tráfico e porte da droga. Católicos e espíritas apresentaram
maior freqüência de dependentes de álcool.
As pessoas que se beneficiaram do
“tratamento” religioso não estavam em fase de experimentação da droga. A
maioria relatou sintomas negativos da retirada da droga e dificuldades
enfrentadas para superar o desejo persistente de voltar a consumi-las. No
entanto, mesmo sem o uso de medicamentos, todos alcançaram a abstinência. A
maioria dos entrevistados era dependente de cigarro simultaneamente a outras
drogas, mas somente seis buscaram a religião no intuito de parar o consumo do
tabaco.
O tempo médio de abstinência alcançado
foi de cinco anos entre os três grupos. Esse fato pode ser considerado um
indicativo de sucesso, quase todos estavam abstinentes há mais de dois anos. Os
períodos mais longos de abstinência foram encontrados entre espíritas e os mais
curtos entre evangélicos, o que pode ser explicado pela diferença de faixa
etária entre os grupos.
Busca do tratamento religioso
Os entrevistados relataram momento de
crise existencial e comportamental. A droga não gerava mais prazer, mas sim a
angústia de perceber que haviam perdido referenciais de vida. A conscientização
da crise não foi imediata, levando até dois anos, a partir do momento em que se
vincularam ao grupo religioso, e ocasionada por motivos distintos de acordo com
o grupo. Entre espíritas e católicos, grupo com maiores índices de dependência
de álcool do que de drogas ilícitas, a crise foi marcada pela perda do controle
sobre seus atos, como cuidar dos filhos, trabalhar, tomar banho, entre outros.
Foram descritos eventos de choque
emocional decorrentes do consumo de álcool, como o relato de coma alcoólico: “Meu
filho me viu caído no chão, bêbado até o topo. No dia seguinte chorou muito e
me pediu ‘Pai, não morre, você morreu ontem, não morre de novo! Fala que você
vai parar de beber que nem a mãe te pediu.’ Eu vi que não tinha jeito, tinha
que sair daquilo.” (L35MC).
Segundo relato dos evangélicos, a
conscientização da crise estava relacionada a problemas legais com traficantes
e polícia; temiam mais a “morte por tiro” do que qualquer implicação orgânica
do consumo da droga. A maioria relatou que a divulgação dos poderes da igreja
evangélica pela mídia televisiva ou por parentes e amigos foi fundamental para
buscar ajuda nesses locais. A comprovação de “eficácia” na cura de doenças,
inclusive a dependência química, poderia estar relacionada à fé dos
entrevistados no poder de sua igreja.
“Eu sabia que precisava buscar Deus.
Ouvia as coisas sobre os evangélicos em todo lugar e pensava, real-mente, se
Deus curou o cego e o leproso, por que não cura dependência de drogas também,
por que não me tira da rua, da miséria?” (C31MP)
Tratamentos convencionais anteriores
A maior parte dos entrevistados
católicos e evangélicos nunca se submeteu a tratamento convencional para
dependência de drogas, justificaram que a primeira escolha deles foi buscar
ajuda na religião, pois era algo gratuito e imediato. Os poucos que diziam ter
buscado auxílio médico, enfatizaram a dificuldade de encontrar serviços
públicos na área e a demora no agendamento de consultas e possíveis terapias,
conforme relato a seguir:
“Te deixam esperando a vida toda. Você é
usuário de drogas, se te mandam voltar depois de um mês você já desistiu, já se
afundou mais. Por isso nem comecei.”(N26MP). Entre espíritas, por recomendação
do próprio grupo religioso, o tratamento médico foi feito paralelamente ao
“tratamento” espiritual. Quando não tinham condições de arcar com o custo do
tratamento particular, associavam-se a grupos de mútua-ajuda como os Alcoólicos
Anônimos (AA). A questão financeira não foi apresentada como impeditivo ao
tratamento, diferentemente dos outros grupos. Os espíritas avaliam o tratamento
médico como fundamental em associação com o “tratamento espiritual”, na
recuperação de qualquer patologia; porém consideram a atenção e acolhimento
recebido dos profissionais da saúde como algo frio e distante, como pode ser
notado no discurso a seguir:
“O tratamento médico é fundamental. Mas
você se sente um lixo. Os médicos se põem como superiores e te tratam como um
zé mané. Aí você vai num centro [espírita] ou num AA e as pessoas te tratam
como igual, não têm nojo de você, não se acham melhores que você. Isso faz toda
a diferença.”(R50ME).
Elementos comuns no tratamento religioso
Dentre as técnicas de “tratamento”
comuns aos grupos foram relatadas: oração, conscientização da vida após a morte
e a fé como promotora de qualidade de vida. O “tratamento” tem como objetivo a
abstinência total, não sendo admitida a possibilidade de sucesso por meio de
redução de danos por nenhum grupo. A questão da conscientização da vida após a
morte e da estruturação da fé são tratadas nos cultos semanais religiosos. Possuem
nome específico de acordo com a religião (missa, culto, evangelho). A
freqüência nestas reuniões de cunho moral e informativo permite que os
princípios propostos por Jesus Cristo passem a formar o alicerce moral do fiel.
O maior consenso entre as religiões é a
proposta de orações freqüentes e, principalmente, no momento de desejo
incontrolável de consumir a droga. As religiões incentivam essa prática como um
dos artifícios no controle da recaída e sugerem que seus adeptos orem, no
mínimo: ao acordar, pedindo proteção para o dia e antes de se deitar,
agradecendo a proteção recebida.
Para todas elas, a prece, ou oração,
seria a forma de contato direto com Deus, como um diálogo entre pai e filho. Em
relação ao tratamento da dependência, a oração é considerada o substituto da
terapia farmacológica e teria função ansiolítica semelhante a um fármaco para
esse fim: “Eu sonhava de noite que eu usava, acordava pingando, suado, com o
coração disparado. Aí punha os joelhos no chão, orava. Foi um mês assim.”
(V37MP).
Além de tranqüilizar o usuário de
drogas, por meio de um estado meditativo e de alteração da consciência, a
oração também promove a fé, dividindo a responsabilidade do “tratamento” com
Deus; ameniza o peso da luta solitária e permite Sua intervenção protetora
frente aos “espíritos do mal” ou o “diabo”. A fé promove a qualidade de vida.
A adoção de referenciais da religião faz
com que o fiel confie na proteção de Deus e respeite as normas e valores
impostos pela religião, melhorando a qualidade de vida dos adeptos. Esse
comportamento levaria ao afastamento natural das drogas, à falta de interesse
impulsionada pelo medo ou apenas pela conscientização da degradação moral
associada ao abuso destas substâncias. O enfrentamento das dificuldades, a
partir da perspectiva espiritual apoiado na fé, acaba proporcionando
afastamento natural de atitudes contrárias a moral difundida pela religião.
Além disso, o fato de se contar com a ajuda irrestrita de Deus gera um amparo
constante, conforto e bem-estar.
Apesar de particular em conteúdo e
intensidade, a fé é desenvolvida nos cultos religiosos, onde os líderes
religiosos defendem argumentos sobre seu potencial de cura, de bem-estar e de
salvação. Assim, a fé é moldada pelo conteúdo do culto. Entre evangélicos, é
comum os cultos terem um tempo dedicado ao testemunho de fé: quando alguém que
recebeu uma dádiva de Deus, por ação de sua fé, relata sua história.
Independentemente da religião, a fé é
tratada como elemento-chave da vida espiritual ou religiosa, razão pela qual os
encontros assumem fundamental importância. “O tratamento é ter fé. O que
mostram lá de diferente é que isso tem resultado. Você vê que Deus é poderoso.
Eu orava e falava: nossa! não é que funciona?” (S49MC).
A realidade da existência do espírito e
a imortalidade da alma ampliam a concepção de futuro. É consenso entre estas
religiões que o consumo abusivo de drogas prejudica o presente e o futuro,
transcende a morte. A possibilidade de que um comportamento criminoso
prejudicaria o crescimento espiritual é enfatizada. Para os católicos e
evangélicos, o usuário de drogas não redimido, passaria a eternidade no
“Inferno” pagando seu pecado contra Deus. No espiritismo, esse usuário adquire
um “carma” negativo que retardará sua evolução espiritual e que deverá ser
quitado em encarnações futuras, com sofrimentos ou pela prática da caridade.
Essas religiões descrevem danos
relativos ao abuso de drogas, para o presente e eternidade, ampliando a
responsabilidade do usuário. Além disso, as religiões aceitam que espíritos
inferiores, forças do mal, demônios e encostos (denominação própria para
designar a influência negativa de entidades invisíveis aos olhos dos vivos)
possam influenciar o usuário de drogas a se manter na rotina de consumo. A
reunião religiosa que congrega seus seguidores na instituição chama-se culto no
evangelismo, missa no catolicismo e evangelho no espiritismo; apesar de
diferentes nomes e dinâmicas, têm o objetivo de divulgar o conhecimento da
religião. É uma forma para o dependente de drogas entrar em contato com as
informações necessárias para seu aprimoramento moral e salvação, baseadas no
Antigo e Novo Testamento. No caso do Espiritismo, soma-se a obra de seu
codificador, Allan Kardec.
Os cultos evangélicos neopentecostais e
as missas da Renovação Carismática Católica são semelhantes, cujos
elementos-chaves são o contato entre seus membros e os louvores. Os presentes
são convidados a pronunciarem frases de encorajamento ao seu “vizinho de
poltrona” e a realizarem preces de intervenção a outras pessoas.
“Eu ia todo dia nos cultos que tinham.
(...) É ali que eu alcancei minha libertação (...) Deus foi nos abençoando aos
poucos e eu fui perdendo a vontade de continuar naquela vida.”(A36MP). No
Espiritismo, as reuniões de evangelhos são dirigidas por um palestrante que
expõe um tema, faz uma oração de agradecimento, pedido e/ou louvor e uma prece intercessora,
chamada de “vibração”. Todo o processo é silencioso, sem cânticos, sacramentos
ou liturgias.
Os grupos religiosos mantêm grupos de
mútua-ajuda, baseados na estrutura dos 12 passos dos AA ou Narcóticos Anônimos,
como parte do “tratamento”. “Nossa! A sala é o melhor que me aconteceu. (...)
Lá você se abre, conta tudo e é que nem uma terapia, mas de graça. Te ouvem, te
aconselham, você sai de lá leve. Andando nas nuvens.” (N19FC)
“Tratamento” religioso evangélico
Os entrevistados submetidos ao
“tratamento” evangélico formal (vincularam-se à igreja) para a dependência de
drogas freqüentaram os cultos e as atividades gerais da igreja, sentindo-se compelidos
a deixar de consumir a droga. Para eles, é a fé que cura; acreditam que Deus
salva (e assim cura) seus filhos que tem fé mostrada pela freqüência contínua à
igreja, conforme relato a seguir:
“Eles falam assim: não desista de ir à
igreja, porque pode ser que o seu caso não foi da libertação instantânea, mas
pode ser a gradativa e se afastar-se da igreja já era, não tem chance. Então
tem que continuar vindo com fé que Deus salva sim.” (N26MP). A responsabilidade
da resolução de seus problemas é entregue a Deus, crendo que a fé seja
suficiente para demover-lhes todas as culpas e pecados precedentes.
Os evangélicos oferecem ainda três
recursos particulares no tratamento da dependência de drogas: a reunião de
células – grupo de cerca de 12 membros freqüentadores da igreja que se reúne
para estudar a bíblia semanalmente e dar apoio emocional de qualquer ordem a
seus membros; expulsão do demônio – feita pelo grupos neopentecostais, em seus
cultos de cura e libertação; leitura da bíblia – forma de receber bênçãos
divinas.
“Tratamento” religioso católico
Ao contrário dos evangélicos, a maior
parte dos entrevistados católicos foi submetida a “tratamento” que segue o
molde dos grupos de AA, com princípios católicos e sem tratamento
farmacológico. Os entrevistados afirmaram que Deus deu-lhes forças para parar
de consumir drogas, mas o sucesso dependeu do esforço individual, sem
características místicas. O sucesso do “tratamento” foi atribuído a algo
“concreto”, como o auxílio de pessoas ou grupos, como pode ser notado a seguir:
“No dia que cheguei fui muito bem
recebida. Um acolhimento nota dez. Tenho certeza de que se aquela senhorinha
não tivesse me tratado como a pessoa mais importante do mundo, eu não teria
voltado e nem feito parte do grupo.” (E29FC). Os católicos oferecem dois
recursos terapêuticos exclusivos: a confissão e a eucarística. A confissão é
considerada terapia espiritual. Quando o sacerdote pronuncia a absolvição
sacramental, traça o sinal da cruz e declara que ele está perdoado, o indivíduo
é tocado por uma sensação de ter saído da condição de pecador para a de servo
de Jesus, melhorando sua auto-estima.
A confissão exime o dependente de drogas
da culpa de seus erros passados e torna possível um futuro novo, a partir do
ponto zero. Na comunhão, os entrevistados crêem que estão recebendo parte de
Jesus que os protegerá da vontade de consumir drogas.
“Tratamento” religioso espírita
A avaliação do “tratamento” espírita foi
prejudicada porque os entrevistados deste grupo submetiam-se simultaneamente a
tratamento médico para o mesmo fim. Os principais pontos da terapêutica
espírita baseiam-se em passes para o re-equilíbrio energético e no afasta-mento
dos “espíritos pouco evoluídos” pelo método da desobsessão. Os espíritas
trabalham o estado emocional do dependente de drogas, elevando sua auto-estima
e dando subsídios para o enfrentamento das dificuldades, utilizando da moral
contida nos evangelhos.
Apesar de todos os entrevistados deste
grupo terem passado por esses procedimentos, não os valorizaram em seus
discursos. Os espíritas crêem que sua religião ofereceu-lhes recursos para
mudarem sua forma de pensar e de agir e, por isso, passaram a realizar ações
benéficas, como a caridade, favorecendo o recebimento de ajuda dos “espíritos
protetores”.
“O que mais me ajudou nesse processo
[recuperação da dependência de álcool] foi o trabalho voluntário na creche.
Você se torna útil, ajuda e, acima de tudo, recebe muita ajuda do plano
espiritual por isso. Comecei indo uma vez por semana, cheguei a ir três. Se eu
pudesse ia todo dia. Dá-me vida.” (L51FE).
Acolhimento e a coesão do grupo
O principal fator que vincula os
entrevistados à religião é ao acolhimento recebido. Eles chegam ao grupo em tal
estado deplorável físico e moral, que se sentem ex-cluídos da sociedade. No
entanto, eles são tratados com respeito e dignidade ao chegarem a qualquer um
dos grupos religiosos e é nesse momento que readquirem uma identidade num novo
grupo sem que lhes peçam nada em troca, sem cobranças ou condenações.
O contato físico sem preconceitos
impressiona e valoriza os dependentes de drogas. É consenso entre eles
valorizar este tipo de tratamento que os coloca no mesmo nível de quem os
acolhe e ainda ouvem relatos de pessoas que como eles erraram e foram
redimidos. No grupo dos evangélicos, pastores e obreiros elevam a auto-estima
do recém-chegado falando sobre supos-tas qualidades que eles possuem e
utilizando-se de argumentos que enfocam o plano de Deus na vida da pessoa. Para
um excluído social, sem idéia de como se reintegrar, consola imensamente
imaginar que é tão importante ao ponto de Deus ter feito um plano exclu-sivo
para ele em sua vida. É daí que surge o interesse por seguir no grupo.
Os católicos professantes tradicionais
(que não são da renovação carismática), assim como os espíritas, são menos
acolhedores que os evangélicos e os caris-máticos. Porém, sempre há alguém que
desenvolve o papel de monitor ou guia do novo membro tratando o recém-chegado
com afeto e respeito, despertando nele a sensação de valorização pessoal e
aumento da auto-es-tima. Os católicos propõem terapêutica menos radical, apontando
futuros problemas pós-morte decorrentes do consumo de drogas e proteção às
mazelas da vida, se os auxiliarem fazendo sua parte, ou seja, esforçando-se no
afastamento das drogas e de posturas prejudiciais.
Dermatis et al observaram que a coesão
nas comu-nidades terapêuticas e as amizades originárias desses grupos são
importantes na recuperação de dependentes de drogas, que passam a integrar uma
nova micro-so-ciedade, onde se sentem valorizados.
Adicionalmente, Galanter sugere que o
acolhimento dos grupos religiosos impulsiona a continuidade do novo adepto, constituindo
a primeira etapa para iden-tificação com a proposta do grupo e posterior
aceitação da espiritualidade como recurso terapêutico. Tal suporte social foi
indicado como um dos mecanismos que explicam as ações benéficas da religião na
saúde, além da fé ou de características místicas desses gru-pos, gerando um
ambiente de apoio incondicional ao recém-chegado.
CONCLUSÕES
A religião não apenas promove a
abstinência do con-sumo de drogas, mas oferece recursos sociais de
rees-truturação: nova rede de amizades, ocupação do tempo livre em trabalhos
voluntários, atendimento “psicoló-gico” individualizado, valorização das
potencialidades individuais, coesão do grupo, apoio incondicional dos líderes religiosos,
sem julgamentos e, em especial entre evangélicos, a formação de uma “nova
família”.
Parte considerável do sucesso dos
“tratamentos” re-ligiosos está no acolhimento oferecido àqueles que buscam
ajuda, no respeito que lhes é transmitido, auxiliando na recuperação da
auto-estima e reinserção social por meio de novas atividades e vínculos
sociais. Esta estrutura alicerça-se na fé religiosa, que promove o vínculo ao
grupo por oferecer respostas religioso-filosóficas para as questões da vida.
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Fontes Adicionais: