segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A CO-DEPENDÊNCIA DOS FAMILIARES DO DEPENDENTE QUÍMICO: REVISÃO DA LITERATURA



Blog “Dependência e Co-dependência Química”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel. Disponível em http://dependenciaecodependenciaquimica.blogspot.com.br/


Autoria:
1 - Carlos Alberto Sobral. Instituto Municipal de Ensino Superior - IMES – Catanduva – SP.
2 - Paulo Celso Pereira. Centro Universitário UNIFAFIBE – Bebedouro – SP.

RESUMO

A dependência química é considerada pela Organização Mundial de Saúde como uma doença crônica, catalogada no DSM IV. Tal doença causa sofrimento psíquico e precisa ser tratada numa perspectiva biopsicossocial. Assim, no tratamento do dependente químico é preciso conhecê-lo, como também seu contexto familiar. Embora a co-dependência de familiares seja reconhecida, são poucos os serviços de atenção para a família. Diante dessa constatação, foi realizada uma revisão da literatura para saber foi  produzido no Brasil na última década sobre a dependência química, com enfoque especial na co-dependência.
Foram selecionados 54 artigos, dos quais 33 eram relatos de pesquisa, 19 teóricos e 2 de novas técnicas. Nenhum delas abordava a questão da co-dependência.

INTRODUÇÃO

O uso abusivo de substâncias – álcool e/ou droga, constitui um grave problema social e de saúde pública, por isso e por atingir um grande número de pessoas ao redor do mundo, é um fenômeno amplamente discutido (Pratta & Santos,  2009), inclusive no Brasil. Mas, ao contrário do que se pensa, o consumo de droga é umaprática milenar e universal (Toscano Jr., 2001), tanto que, Carranza e Pedrão (2005), comentam que a história da dependência de drogas se confunde com a própria história da humanidade. É preciso esclarecer que o referido uso, em cada momento histórico e social, tinha uma proposta: rituais, cultos religiosos etc.
Embora cigarro (tabaco) e álcool possam ser classificados como drogas, as quais são licitas no Brasil, restringindo o alcance dessa expressão, droga é considerada como qualquer substância natural ou sintética que, introduzida no organismo modifica suas funções. As drogas podem ser assim classificadas: (1)depressivas;  (2)alucinógenas e  (3)estimulantes (Anti-Drogas, 2010).
Na atualidade, em especial, no mundo ocidental, a dependência de drogas é uma questão penal e de saúde pública – crime e doença,  respectivamente. O uso de entorpecentes enquanto um ato ilícito está previsto no artigo 22 da Lei 11.343, de 23/08/2006 (Brasil, 2006).
Na década de 80 a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu a dependência química como doença. Em razão da proposta do presente trabalho será abordado aqui a dependência química enquanto uma doença médica crônica e como um problema social, como preconiza a Organização Mundial de Saúde (2001).
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM IV, publicado pela Associação Psiquiátrica Americana (2000), a característica primordial da dependência de substâncias (álcool e/ou droga) corresponde à presença de um conjunto de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos. Mas, considerando que a droga, no caso da dependência, passa a exercer um papel central na vida do indivíduo (Silveira Filho, 1995), preenchendo lacunas na esfera psíquica e social, é preciso considerar que além dos sintomas físicos e mentais, existe a questão social. Desse modo, na atualidade, é preciso discutir a dependência química dentro de um modelo biopsicossocial. Assim, na proposta de Leite (2000) o tratamento do dependente químico deve abranger além do indivíduo, as diversas áreas de sua vida e, segundo a proposta deste trabalho, inclusive sua família, o que remete a questão da co-dependência.
Assim, considerando a co-dependência, isso sem perder de vista o grande poder de destruição da dependência química, ou seja, do sofrimento psíquico que produz no usuário, é imprescindível conhecer os mais diversos aspectos que interferem na vida dos familiares do dependente para que se possa prestar uma assistência psicossocial mais efetiva e completa aos indivíduos que estão em volta do dependente químico. O co-dependente pode ser qualquer individuo que esteja em contato direto com o dependente químico, a saber: familiares, amigos, vizinhos, cuidadores etc. (Beattie & Melody, 2007). Considerando a proposta do presente trabalho o foco central da investigação será a co-dependência da família.
Segundo Zampieri (2004), a co-dependência pode ser definida como um transtorno emocional característico de familiares ou de pessoas da convivência direta de dependentes químicos, de jogadores patológicos e de pessoas com transtorno de personalidade. De acordo com Ballone (2010), na co-dependência há um conjunto de padrões de conduta e pensamentos patológicos que produzem sofrimento psíquico.
Assim, por se tratar de um transtorno que se traduz em sofrimento para a vida do co-dependente, tal como do dependente químico, se torna insustentável não oferecer assistência profissional ao co-dependente que, seja como forma de defesa, modificando substancialmente seu estilo de vida, não apenas no que diz respeito a sua interação com o dependente químico, mas com as demais pessoas, seja do convívio familiar, social e do trabalho, inclusive, consigo mesmo (Moraes, 2010). E mais, assim como o dependente químico, o co-dependente fica vulnerável em qualquer situação, hora se sentindo culpado pelo sofrimento do doente e da sua situação familiar, hora acreditando que é vítima das atitudes do dependente químico (Zampieri, 2004).
Considerando a importância da família na vida do dependente químico e ainda, das interações que se estabelecem entre família e doente, faz-se necessário que o tratamento dispensado a este seja extensivo aos familiares, além, é claro aos demais (amigos, vizinhos etc.) que estejam diretamente ligados ao dependente químico. Dentro dessa perspectiva, ficar atento aos sinais e sintomas da co-dependência parapoder atuar junto aos familiares. Na assistência ao dependente institucionalizado ou quese encontra em tratamento ambulatorial, dar atenção também à família é fundamental (Wenzel & Paula, 2010).
Embora a demanda envolvendo a dependência química ea co-dependência entre familiares e pessoas diretamente envolvidas com o dependente químico vem crescendo ao longo das últimas décadas (Wenzel & Paula, 2010), observa-se na prática que nessa questão da dependência química os serviços para a família ainda são insipientes. Desse modo, a proposta do presente trabalho é analisar a produção cientifica sofre a questão da dependência química nos últimos dez anos, visando conhecer, dentro desse acervo, ou seja, desse universo o que está sendo discutido pela comunidade cientifica brasileira a respeito da co-dependência da família do dependente químico.
Considerando a questão do uso abusivo de substâncias (droga e/ou álcool), o objetivo do presente estudo foi conhecer o estado atual da literatura científica sobre dependência química, por meio da revisão bibliográfica, para investigar a ocorrência de pesquisas e publicações que tratam da co-dependência dos familiares, de modo a: (1)  analisar as publicações científicas produzidas no Brasil nos últimos dez anos sobre dependência química; (2) identificar o tipo de artigo, a natureza do estudo e os participantes (número, idade e caracterização) e (3)dentre o acervo encontrado, analisar o que está sendo pesquisado sobre a co-dependência dos familiares e sobre que temas os  artigos tratam dentro da perspectiva da co-dependência dos familiares.

MÉTODO

A pesquisa bibliográfica desenvolvida foi operacionalizada mediante busca eletrônica de artigos indexados na base de dados Scielo, privilegiando os periódicos que tratavam de temas relacionados à saúde mental, com o emprego depalavras-chave que pudessem remeter a publicações que abordavam a dependência química e/ou a co-dependência dos familiares. A proposta foi a de fazer uma revisão da referida literatura nos últimos dez anos.

PROCEDIMENTO

Para a condução da revisão da literatura foram usados os seguintes procedimentos de busca: (1) procura junto à bases de dados Scielo os periódicos que, pelo seu título remetiam à questão da saúde mental, sendo selecionadas 10 revistas cientificas; sobre o tema pesquisado;
(2) as revistas selecionadas foram acessadas, na  home page de cada uma a busca se deu por assunto, por meio das seguintes palavras-chave:  droga,  droga ilícita,  dependência química e co-dependência;  (3)os artigos encontrados passaram a fazer parte do acervo a ser analisado;
(4) realizou-se a leitura dos resumos visando uma primeira análise das publicação (artigos)  encontradas;  (5) leitura na íntegra dos artigos para finalizar a análise e  (6) compilação dos dados obtidos de modo a responder aos objetivos do presente estudo.

RESULTADOS

Os resultados obtidos com a coleta de dados foram agrupados e analisados de modo a responder aos objetivos deste estudo. Foram encontrados 54 artigos científicos, publicados em 10 periódicos, os quais publicam temas relacionados à saúde mental. Na Tabela 1 podem ser visualizados os títulos desses periódicos e o número de artigos que foram localizados em cada um deles.
Dentre os 54 artigos encontrados nas 10 revistas listadas na Tabela 1, 33 foram relatos de pesquisa; 19 artigos teóricos, destes 16 sobre a revisão da literatura e três abordando a análise conceitual (teórica) e, dois artigos versavam sobre nova técnica (um apresentando um instrumento de avaliação/psicodiagnóstico e outro sobre intervenção). Cumpre esclarecer que para a presente análise foi considerado, (1) relatos de pesquisa, o texto científico que apresentava explicitamente referências a informantes ou a instrumentos de coleta de dados; (2) artigos teóricos, todos aqueles que envolviam análises conceituais, artigos de estado da arte (meta-análise) e artigos de revisão de área e  (3) nova técnica, aqueles artigos que se referiam claramente à descrição de novos equipamentos, procedimentos, técnica e instrumentos. A Figura 1 ilustra essas modalidades de artigo, bem como a sua frequência.
Nos artigos de relatos de pesquisa, que foram a grande maioria, o artigo que teve o menor número de participantes, foi uma pesquisa que versava sobre o estudo de caso de uma pessoa, portanto, um participante e, o trabalho que contou com o maior número de sujeitos tinha 5.040 participantes, estudo esse realizado ao nível nacional. Vale dizer que dentre todos os artigos de relatos de pesquisa, três foram ao nível nacional, visando conhecer aspectos dos brasileiros quanto ao consumo de droga/álcool.
Quanto às características dos participantes, no que diz respeito aos artigos sobre relatos de pesquisa, 10 trabalhos foram conduzidos com adolescentes, sendo que dois destes estudos trabalharam com pessoas do sexo feminino; 10 foram com estudantes, destes, um foi com alunos do Ensino Fundamental e Médio (portanto,seguramente, eram adolescentes), dois com estudantes do curso de Medicina, um com estudantes de Biologia e um com estudantes dos seguintes cursos de graduação: Educação Física, Fisioterapia, Nutrição e Psicologia; nove com pessoas adultas de ambos os sexos; dois com adultos do sexo masculino; um por meio de pesquisa a prontuários de dependentes químicos que  eram atendidos em Unidades Básicas de Saúde e um que entrevistou Promotores de Justiça e Juízes de Direito.
Quanto aos temas / assuntos pesquisados, foram os mais diversos, desde a associação entre uso abusivo de substância e trânsito ao uso de droga injetável e contaminação pelo vírus HIV, dentre esses extremos encontrou-se: gravidez na adolescência; doenças mentais (psicopatologias) em comorbidade com o uso abusivo de droga e/ou álcool, o adolescente em conflito com a lei ou em situação de rua e drogas,  legislação, ética, etc. No entanto, com essa revisão não foram encontrados artigos que tratam da dependência química, bem como não foram localizados trabalhos sobre a co-dependência  da família. É oportuno dizer que foi encontrado apenas uma publicação que tratava das relações familiares, mas no que se refere à parentalidade e um trabalho teórico sobre dependência química ao longo da história.
Com relação aos artigos teóricos, sete se deram por meio de consulta a base de dados; cinco pela revisão da literatura geral; três via revisão de artigos; dois analisaram leis, um textos e outro, prontuários.

DISCUSSÃO

O presente estudo cumpriu seu objetivo ao revisar a literatura nacional, dos últimos dez anos para saber o que se tem pesquisado sobre a dependência química e, mais exatamente, a respeito da co-dependência dos familiares. Considerando os periódicos que abordavam o tema da saúde mental dentro da perspectiva da psicologia e da psiquiatria foram localizadas 10 revistas cientificas e 54 artigos, número expressivo, no entanto, nenhum deles abordava, especificamente, a questão que se pretendia investigar, a saber, o que as produções cientificas estão discutindo sobre dependência química e co-dependência da família ou co-dependência de um modo geral, portanto, a presente revisão de área revelou uma lacuna na literatura nacional sobre esses assuntos.
No entanto, antes de discutir essa lacuna, é importante falar da relevância científica, social e acadêmica da publicação de artigos e como pode ser produtiva a revisão da literatura a partir da análise dessa fonte de dados.
Foi com o surgimento da ciência experimental no século XVII que apareceram os primeiros periódicos científicos, pois é um veículo de comunicação de resultados de pesquisas eficaz para divulgar e disseminar as novas descobertas científicas do que outros meios, como por exemplo, a correspondência (Hayashi, Hayashi, Lima, Silva & Garrutti, 2006). Desse modo, os periódicos se tornaram uma importante via de publicação da produção científica, bem como os livros, teses, dissertações etc. Segundo Campello e Campos (1993) o periódico científico tem três funções, a saber: (1) registro público do conhecimento; (2) a função social e (3) a função de disseminar informação.
Feitas as considerações acima acerca da importância de periódicos científicos para a sociedade de um modo geral e, voltando ao tema do presente estudo, embora a literatura nacional contemple vários estudos sobre o tema do consumo abusivo de substâncias (drogas e/ou álcool), não foram encontrados estudos que tratavam da co-dependência da família, pois pensando na abordagem sistêmica, bem como sob o modelo biopsicossocial, não tem como falar de consumo de álcool e/ou drogas ilícitas e da dependência química, sem considerar o contexto familiar e social mais amplo que o usuário está inserido e mais, que o sofrimento psíquico do dependente químico se torna o sofrimento de sua família, que também adoece e, os comportamentos de um acabam por influenciar e determinar os comportamentos do outro e vice-versa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluindo, dentro do tema consumo de álcool e/ou droga o presente estudo revelou que a literatura nacional apresenta uma grande lacuna no que se refere a um importante tema de pesquisa, a saber, a co-dependência da família. Além do fato desta adoecer juntamente com o seu membro que é dependente químico, não tem como pensar no tratamento deste sem considerar o contexto social e familiar em que está inserido e, assim, proporcionar programas de intervenção para as famílias.
Diante dos dados obtidos com este trabalho, fica a sugestão para o desenvolvimento de estudos sobre co-dependência, para que possam oferecer subsídios teóricos e práticos aos profissionais e instituições que trabalham com indivíduos que são dependentes químicos e suas respectivas famílias.

REFERÊNCIAS

ANTIDROGA. O que é droga. Disponível em: http://www.antidrogas.com.br. Acesso em 12 de junho de 2010.
ASSOCIAÇÃO PSIQUIÁTRICA AMERICANA.  Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM-IV. Porto Alegre: Artes Médicas (2000).
BALLONE, G. J. Co-dependência. Disponível em: http://www.psiqweb.med.br. Acesso em 15 de junho de 2010.
BEATTIE, M. Co-dependência nunca mais. Rio de Janeiro: Nova Era (2007).
BRASIL. Lei N° 11.343, de 23 de Agosto de 2006. Diário Oficial da União,de 24 de Agosto de 2006 (2006).
CAMPELLO, B. S., CAMPOS, C. M.  Fontes de informação especializadas: características e utilização. Belo Horizonte: UFMG (1993).
CARRANZA, D. V. V., PEDRÃO, L. J. Satisfacción personal del adolescente adicto a drogas em el ambiente familiar durante la fase de tratamiento em um istituto de salud mental. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 3, 836-844 (2005).
HAYASHI, M. C. P. I. ; HAYASHI, C. R. M. ; LIMA, M. Y. ; SILVA, M. R. , GARRUTTI, E. A. Avaliação de aspectos formais em quatro periódicos científicos na área de Educação Especial. Revista Brasileira de Educação Especial, 12(3), 369-392 (2006).
LEITE, M. C.  Aspectos básicos do tratamento da síndrome de dependência de substâncias psicoativas.Brasília: Presidência da República, Gabinete de Segurança Institucional, Secretaria Nacional Antidrogas (2000).
MORAES, E.  Co-dependência. Disponível em: http://www.portaldapsique.com.br/artigos/co-dependencia. Acesso em 30 de maio de 2010.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Transtornos devido ao uso de substâncias. Em Organização Pan-Americana da Saúde e Organização Mundial da Saúde (Orgs.), Relatório sobre a saúde no mundo, Saúde Mental: Nova concepção, nova esperança (pp. 58-61). Brasília: Gráfica Brasil (2001).
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WENZEL, J. S. , PAULA, P. C. M.  Características de co-dependência entre familiares  de dependentes químicos. Disponível em: http://www.portaldaeducação/ enfermagem/artigo. Acesso em 30 de maio de 2010.
ZAMPIERI, M. A. J. Co-dependência. São Paulo: Agora (2004).





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